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“O teatro tem, muitas vezes, uma tendência a criar padrões que me cansam.” Uma entrevista com Wojtek Ziemilski, diretor de Pequena Narrativa

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Primeiro espetáculo do recorte da cena polonesa trazido para esta edição do TEMPO_FESTIVAL (com uma única sessão nesta segunda, às 21h30, no Oi Futuro Flamengo), Pequena Narrativa parte de um episódio fundamentalmente íntimo, ainda que traga em si implicações mais amplas: em 2006, a família do diretor, autor e artista visual Wojtek Ziemilski descobriu que seu avô, um distinto cidadão da cidade de Breslávia, na Polônia, havia sido, durante muitos anos, colaborador da polícia secreta comunista. A partir dessa história, Ziemilski criou uma performance com ares de palestra, que combina memórias pessoais, fatos históricos e uma cenografia contemporânea, escancarando as barreiras entre real e imaginário, narrativa pessoal e coletiva. “A primeira questão que me fiz foi: ‘Será que consigo ultrapassar o pessoal e mostrar questões mais gerais, que dizem respeito ao mundo em que vivo?’ Rapidamente ficou claro que sim”, afirma o diretor nesta entrevista. Confira.

 

Pequena Narrativa foi construída a partir de um episódio familiar. Como essa história se transformou na peça?

A performance teve origem em um evento traumático, que foi a descoberta de que meu avô havia colaborado com os serviços secreto comunistas por muitos anos. Há outro aspecto importante da história: a extrema dificuldade de obter qualquer informação precisa. Os historiadores, que tinham o monopólido do acesso à informação, tinham seus próprios interesses, enquanto o meu avô era muito idoso e dizia não se lembrar de nada. A outra fonte foram as minhas referências artísticas, que me traziam fé na possibilidade de se definir através de pequenas narrativas, o que, no universo polaco, onde se fala tanto de Historia e Verdade, Memória e Valores, e tudo sempre com letras maiúsculas, constituía um grande alivio. Infelizmente, como mostro, um alívio temporário e incerto. 

 

Que impacto esse episódio envolvendo o seu avô teve sobre você?

Como me posso ter sentido? Péssimo! Além dos meus pais meu irmão, meu avô era o meu parente mais querido. Ainda por cima, não foi possível fazer as contas. Tanto as instituições, como o tempo, a memória e a fraqueza humana não o permitiram.

 

Em que sentido Pequena Narrativa, uma performance sobre um episódio tão pessoal, pode alcançar um público mais amplo, que ultrapasse a sua experiência íntima?

Pequena Narrativa não é um relato de uma história triste que pede empatia. A primeira questão que me fiz foi: “Será que consigo ultrapassar o pessoal e mostrar questões mais gerais, que dizem respeito ao mundo em que vivo?” Rapidamente ficou claro que sim – questões de memória e traição, do corpo e a sua relação com o resto de quem somos são fundamentalmente humanas. No que diz respeito à história da memória “objetiva”, nacional, cada país tende para o monopólio da história, o que define por sua vez a memória e a identidade coletivas que fazem parte de cada um de nós. Assegura-se disso através da educação, mas também da maneira de gerir o discurso público. Vocês no Brasil devem saber do que estou falando. Mas devo ter mostrado este espetáculo em vinte países ou mais, e essas questões pareciam relevantes em cada um deles. Existe também um nével mais básico de interesse: enquanto indivíduo quero me sentir livre, ou pelo menos autônomo, dessas grandes narrativas, sejam elas nacionais ou familiares. A minha história é como uma vivissecção de por que essa luta nunca acaba.

 

 As artes visuais têm uma presença muito importante em Pequena Narrativa, integradas à linguagem teatral. Qual é a importância dessa integração nessa peça, especificamente, e no seu trabalho de forma mais ampla?

Sem querer criar uma grande narrativa sobre o meu próprio espetáculo – afinal, não devo ser eu a julgar –, me parece que as minhas referências de artes visuais permitem aqui uma dramaturgia diferente da “teatral”, assim como essas distinções muitas vezes ofuscam mais que mostram. Mas a possibilidade de contemplar algo, de não procurar sempre um evento novo, me parece importante. A criação de um campo de temas, em vez de um discurso narrativo no sentido clássico, é outro aspeto “visual”. Talvez sejam também as artes visuais que me permitem procurar uma expressão “camuflada” do atuar, que parece apagada e como congelada na frieza do tom que imponho. O teatro tem, muitas vezes, uma tendência a criar padrões que me cansam. Uma razão é, obviamente, a tradição teatral que sugere algumas soluções, de luz, de expressão, de presença em palco ou de beleza, mas a outra são as condições de criação. Habitualmente, o sistema de produção faz uma grande pressão no diretor para ele encontrar e definir o que faz mais rápido. Pede-se o texto, o projeto de cenário, as luzes, e tudo numa ordem definida… Eu gosto de procurar durante bastante tempo e o recurso à dinâmica criativa, tão variada, das artes visuais, me dá mais confiança e permite dizer quase ate ao fim “ainda nao sei”, “não há cenário”, “o roteiro haverá quando acabarmos”, “desta vez só me interessa a forma” e outras frases que pessoas de teatro às vezes (obviamente, não sempre!) consideram infantis, bárbaras ou pobres. Não tem a ver com o “Teatro Pobre” a não ser por uma semelhante relativização de vários elementos muitas vezes considerados fulcrais.

 

O filósofo Ludwig Wittgenstein tem trechos de sua obra citados em Pequena Narrativa. Como as ideias dele dialogam com a peça?

Wittgenstein aqui me serve de parceiro na conversa sobre como a língua que usamos enche as nossas mentes de ideias tanto convenientes como fundamentalmente incertas. Mudei tantas vezes como pessoa, e cada vez fico estupefato que estava antes pensando uma coisa tão radicalmente “errada” do ponto de vista de hoje. Wittgenstein ajuda a aceitar isso – é um bom companheiro de viagem.

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