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René Pollesch e as ruas de Berladelphia

Que o TEMPO CONTÍNUO é fã do Teatro Alemão, isso já não é novidade. Pesquisando pelo site, encontramos posts sobre Frank Castorf – diretor alemão à frente do Volksbühne am Rosa-Luxemburg-Platz desde 1992. Ou ainda, os registros de Jonas Klabin sobre a temporada berlinense, com direito a Peter Pan encenado por Robert Wilson no Berliner Ensemble.

Desta vez, vamos falar sobre outro diretor, também vinculado ao Volksbühne: René Pollesch, aluno de Heiner Muller que foi, entre 2001 e 2007, diretor artístico do Prater, a sede experimental do Teatro comandado por Castorf. Pollesch é considerado por críticos, público e artistas um dos nomes mais importantes de sua geração. Comprova o fato os dois Mülheimer Dramatikerpreis, o prêmio Shell alemão, que o diretor e dramaturgo já ganhou no país: em 2001, Pollesch levou pelo espetáculo “World Wide Web-Slums 1-10”; em 2006, foi a vez da peça “Cappuccetto Rosso“. Pollesch circula também pelos maiores festivais e, portanto, pode ser considerado um Darling do teatro experimental contemporâneo.

Não à toa, um dos últimos trabalhos do Darlin alemão – cuja estreia foi em janeiro de 2012, mas que esteve em cartaz este mês em Berlim – convoca a todos a matar os Darlings! “Kill your Darlings! Streets of Berladelphia” (algo como “Mate seus amores: as ruas de berladelphia”, em uma referência direta à música Streets of Philadelphia, de Bruce Springsteen), com dramaturgia de Henning Nass, é uma espécie de monólogo musical, tendo como protagonista o excelente ator (e figura recorrente nas peças de Pollesch) Fabian Hinrichs. Na realidade, não se trata de um monólogo tradicional, pois Hinrichs contracena todo o tempo com um coro de jovens ginastas, sendo o contraponto entre o ator e o grupo um forte elemento do espetáculo. Pois, se cabe a Hinrichs o poder da palavra, cabe aos atletas um movimento mais coeso, mais virtuoso e mais disciplinado. Assim, enquanto o ator desloca-se pelo palco de forma mais desordenada e imprevisível, os jovens ocupam o mesmo espaço de modo mais coreografado, por meio de números de ginástica olímpica (piruetas, cambalhotas, paradas de mão etc.) que exibem seus belos e potentes corpos. O contraponto surge não apenas na diferença entre coro e ator, mas também nos elementos cênicos. Uma escavadeira se opõe a uma carroça, esta última em clara alusão à Mãe Coragem, de Bertold Brecht. Os dois veículos reforçam a tensão entre ator e coro: em um dos momentos mais bonitos do espetáculo, Hinrichs puxa a carroça sobre o palco giratório, enquanto que acrobatas e público escorregam em cena; ou ainda quando o ator, dirigindo a escavadeira, comanda os movimentos do braço mecânico em direção ao coro sentado diante dele, no proscênio. Os contrapontos não param: duas cortinas (uma cinza, sobre a qual está escrito Fatzer, mais uma referência direta a Brecht; outra branco brilhante) se alternam, assim como a exploração da verticalidade – no início do espetáculo, quando todos descem pendurados, na chuva que cai sobre o palco, e até mesmo nos saltos do coro – e da horizontalidade – quando, por exemplo, o tablado molhado vira um escorrega para atores e público, em um nivelamento entre palco e plateia.

Kill your Darlings! Streets of Berladelphia – TRAILER from Volksbühne Berlin on Vimeo.

Se tais contrapontos produzem cenas belas, elas, todavia, são logo interrompidas pelo texto de Hinrichs, que, em muitos momentos, comenta a situação teatral diretamente. Na realidade, o imperativo do título explicita a lógica da cena: tudo o que é bom, fica de fora, como comprova uma das falas do espetáculo:

Hoje à noite, você será poupado das melhores cenas da peça, porque nenhum de nós seria capaz de suportar. Por isso o título “Kill Your Darlings”. Não vamos apresentar-lhe as melhores cenas da noite do espetáculo, porque não poderíamos suportá-las todos – inclusive eu. Eu nunca poderia voltar a escrever outra peça, e você, você poderia nunca mais ir ver um outra apresentação teatral, se o melhor se encontrava já atrás de você, e você sentiu como se nunca mais fosse experimentar essa sensação de novo. É por isso que nós decidimos cortar os grandes momentos, porque não podem ser mais vividos.

Tais contrapontos não são gratuitos. Eles são empregados a serviço de uma investigação a respeito das possibilidades de um teatro político no Capitalismo Tardio. Em nome de uma análise detida da sociedade contemporânea, o diretor descarta os convencionalismos do teatro, ao tecer comentários do tipo: “Eu não acredito em diálogo. Eu não acredito em fábula. E eu não acredito em narração. Eu acredito em outra coisa – comunicação”. Em suas peças, Pollesch utiliza-se de falas sem personagens, com os recursos cênicos tensionados de modo a produzir a desejada comunicação. Engana-se, no entanto, que seus espetáculos sejam entediantes. A mistura de crítica social e humor talvez seja a grande marca de Pollesch, mistura que faz com que seu público seja em sua grande maioria de jovens e estudantes.

Categorias: Blog. Tags: carrossel, Frank Castorf, Heiner Muller, René Pollesch e Volksbühne.