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TEMPO EM BERLIM #2: PETER PAN DE BOB WILSON

Um dia após assistir For the Disconnected Child, fui para uma sessão matinê no Berliner Ensemble (o palco em que Bertolt Brecht apresentava suas peças) do espetáculo musical Peter Pan – oder das märchen vom jungen, der nicht gross werden wollte (Peter Pan – ou o conto-de-fadas dos jovens, que se recusam a crescer) com direção, cenografia e conceito de iluminação de Robert Wilson e música e letras de CocoRosie. Que espetáculo!

Em 2012, tive a oportunidade de assistir a ópera Einstein on the Beach, um marco no teatro contemporâneo dirigido por Wilson e com trilha sonora de assinada por Philip Glass. Dentre as célebres colaborações artísticas realizadas pelo encenador norte-americano, ouvira falar de Sonnets e Lulu, com trilhas sonoras de Rufus Wainwright e Lou Reed, respectivamente. Mas nada havia me preparado para a experiência de assistir sua singular visão do clássico infantil.

A peça mantém as evidentes características estéticas de um espetáculo Bob Wilson. A cenografia de desenhos simples e maquinária engenhosa confirmam a sua poética: adereços como a cabeça do jacaré que abre e fecha a boca; a janela do quarto que aumenta e diminui de tamanho; as nuvens que carregam o elenco num voo de um canto a outro do palco; os rochedos nos quais se debruçam as sereias (descendo e se erguendo, como lambidos pelo mar); e o mastro do navio – no qual amarram Wendy, seus irmãos e os Garotos Perdidos – que balanceia de esquerda para direita como se estivéssemos em alto mar. A maquiagem, extensa e estilizada, de rostos fantasmagóricos e olhos grandes e expressivos. A iluminação, carregada da assinatura do diretor, com sombras de fortes contrastes suavizadas pelas cores frias e fosforescentes. O figurino, imaginativo e extremamente elegante, define e identifica os personagens e suas personalidades. O jogo de cena de movimentos expressivos, exagerados e repetidos contam a história para crianças e aqueles espectadores que não compreendem a língua alemã.

Merece destaque a música de CocoRosie, belamente interpretada em inglês por elenco e orquestra. As canções inebriantes gravitam entre o fantasmagórico e o lúdico, conferindo uma dimensão mágica ao acontecimento teatral. A trilha original é sensacional a ponto de não poder imaginar uma colaboração mais fantástica e mais apropriada para este musical infantil.

O teatro do Berliner Ensemble é uma jóia, muito bem cuidado, como todos os quatro teatros públicos que visitei. Mas este se destaca por sua beleza interna. Sentei ao lado de uma professora de estudos germânicos, apaixonada pelo Berliner Ensemble; ela não perde uma apresentação e já tinha acesso ao backstage por ser conhecida pelo elenco. Durante o intervalo, me convidou para acompanhá-la e dar um oi ao elenco. Chegamos numa ruela na lateral do teatro e tive a oportunidade de ver de perto parte do elenco todo maquiado: Peter Pan, Tinkerbell e a Princesa Tigerlily, fumando um cigarro antes de voltar ao palco. Era impossível imaginar como parecem sem a maquiagem, que fazia da cena um pouco absurda, fantasiosa, entregando a idade real destes personagens; Peter Pan não é mais criança.

Voltamos para assistir o segundo ato, com mais cenas emocionantes e de pura beleza. O esconderijo dos Garotos Perdidos, o ataque dos piratas, a morte de Tinkerbell e sua volta à vida, a morte do Capitão Gancho e o retorno das crianças a casa da família Darling. Blecaute final e uma onda de fortes aplausos nasce de uma plateia ate então muda. Acendem as luzes e, um por um, os atores voltam ao palco para receber os merecidos aplausos, que vão aumentando a medida que cada performer entra em cena. Então maravilhado, tive um surto de emoção, embasbacado com tanta beleza numa peça só. A música final To die would be an awfully great adventure ressoa, até agora, na cabeça.

Em seguida, convidado por minha nova colega, fui ao bar ao lado, onde iríamos nos encontrar com o elenco, desta vez sem maquiagem e figurino. Conheci meus personagens prediletos: Peter Pan (o deslumbrante Sabin Tambrea), Tinkerbell (um grande ator, Christopher Nell, interpretava uma versão drag da fada) e a princesa Tigerlily (também uma interpretação drag, o ator dobra como a cachorra/baba, sendo estas as suas cenas mais inesquecíveis).

Categorias: Blog. Tags: Berliner Ensemble, carrossel, CocoRosie, Lou Reed, Robert Wilson e Rufus Wainwright.