“O teatro cumpre seu objetivo se faz você pensar. Sem qualquer proposta específica, apenas mostrando a complexidade do mundo.” É, de fato, complexa a realidade sobre a qual o diretor polonês Michał Borczuch convida à reflexão em Apocalipse – espetáculo que ele apresenta no TEMPO_FESTIVAL deste ano. A obra é inspirada nas ideias do cineasta, dramaturgo e poeta italiano, Pier Paolo Pasolini (1922-1975) e no trabalho da jornalista e escritora italiana Oriana Fallaci (1929-2006), uma das personalidades mais reconhecidas do jornalismo político do século XX. Na base do trabalho estão dois discursos radicalmente distintos sobre a civilização ocidental e seu fantasmagórico Outro, personificado na figura de um imigrante ilegal, muçulmano e terrorista. Confira a entrevista do diretor ao site do TEMPO.
O espetáculo é inspirado nos discursos e ideias de Pasolini e Oriana Fallaci. Como surge a ideia de juntar esses dois personagens na base de um espetáculo?
Eu estava interessado no confronto desses dois pesos-pesados da cultura italiana e europeia, devido a suas visões radicalmente diferentes sobre o que é a Europa. Além disso, é fascinante dar vida a dois intelectuais tão envolvidos na história, como eles. A ideia para esse encontro foi baseada nas palavras de Pasolini sobre o livro de Fallaci: “Odeio seu livro. (…) Não quero saber o que tem dentro da barriga da mulher.” Por um lado, eram dois humanistas tentando achar a receita contra as injustiças do mundo. Por outro, eles foram criadores da cultura do século XX, pensando e atuando radicalmente “fora da caixa”
Oriana de fato entrevistou Pasolini em dado momento de sua carreira. De que forma essa entrevista se integra ao espetáculo?
Não usamos as entrevistas de Fallaci com Pasolini. Não me interesso pelas opiniões deles com relação um ao outro, não estou interessado na “conversa de intelectuais”, mas no embate de suas visões de mundo e ideias sobre a Europa e os europeus.
Você une dois discursos radicalmente distintos e contraditórios em Apocalipse. São posicionamentos extremos a respeito de questões atuais. Como você, pessoalmente, vê questões evocadas no espetáculo, como a imigração, o islamismo, o terrorismo e o modo de vida europeu?
Primeiro, todos nos sentimos impotentes. Esses são processos e mecanismos que parecem estar além do nosso controle. Claro que gostamos de expressar nossas opiniões sobre vários tópicos. Para mim, a situação atual do mundo – mecanismos que eu tento mostrar na peça – prova que o mundo como o conhecemos precisa mudar. Isso é Apocalipse – não o fim, mas a transformação. Tenho medo da força estupefata de qualquer religião. Talvez tenhamos perdido a necessidade de religião? Talvez não precisemos dela pra nada? Ao mesmo tempo, acho que nada rejuvenesce e energiza mais a sociedade do que a imigração. Por exemplo, os acontecimentos recentes na Europa, com os sírios, mostram, de repente, que os conceitos óbvios de piedade, compaixão e tolerância (próprios do cristianismo) passam a ser redefinidos, porquanto eles requeiram muito mais empatia do que jamais antes. Somos forçados a pensar e atuar diretamente. Portanto, nessas novas ameaças à Europa eu vejo a chance para um processo radical, mas construtivo, de transformação. Seguindo esse linha de pensamento, estou mais com Pasolini do que com Fallaci.
Diante de questões tão urgentes como as evocadas no espetáculo, cabe perguntar: qual é, na sua opinião, o poder/influência do teatro sobre as ações no mundo real?
Eu não acredito no poder de salvação do teatro. Ele cumpre seu objetivo se faz você pensar. Sem qualquer proposta específica, apenas mostrando a complexidade do mundo. De qualquer forma, podemos dizer que hoje em dia há coisas mais importantes acontecendo nas ruas. Saia e veja.