Por Kil Abreu e Luciana Romagnolli |
A Mostra Internacional de Teatro de São Paulo – MITsp chega à sua quarta edição amparada em uma curta, mas já demarcada, pré-história, em que a ideia de festival de teatro só se completa se compreendida na articulação entre os espetáculos apresentados e o entorno formativo e reflexivo. Boa parte dos festivais brasileiros também aponta, às vezes mais, às vezes menos, para essa articulação. Mas aqui ela ganha dimensão generosa, um dos maiores arcos de ações pedagógicas e críticas entre as mostras brasileiras.
Os Olhares Críticos desta edição acompanham em geral a concepção e o desenho criado para as mostras anteriores pelos professores-pesquisadores Fernando Mencarelli e Silvia Fernandes, que expandem as discussões sobre os espetáculos em diálogos com outras áreas do conhecimento, e apresentam uma singularidade decorrente do contexto social mais recente: a intensificação dos debates de ordem política. O centro disso é um seminário estético-político com quatro mesas de debates, intervenções de pesquisadores internacionais e uma entrevista pública (com o dramaturgo chileno Guillermo Calderón).
Além disso, a programação abrange nove Diálogos Transversais, em que convidados de outras áreas do conhecimento que não o teatro comentam os espetáculos após as apresentações (entre estes, o músico Tom Zé, o xamã Davi Kopenawa e a ativista Djamila Ribeiro); oito ensaios acadêmicos sobre as montagens, publicados no catálogo e escritos por pesquisadores ligados aos departamentos de artes cênicas de diversas universidades brasileiras; um ciclo de encontros em que os responsáveis por cada companhia apresentam seus processos de criação; lançamentos de livros – obras de Gordon Craig, Eid Ribeiro e de jovens autores brasileiros; e uma seção de prática da crítica que envolve debates e a publicação diária de textos por críticos vindos de vários lugares do país.
Não é pouco. Sob a orientação do curador da MITsp, Antonio Araujo, a ideia éque este entorno do evento seja tão importante e tenha tanto peso quanto a própria Mostra de espetáculos, o seu centro.
O que orienta esse conjunto amplo de atividades, que proporciona o encontro de vozes tão diversas, é a preocupação que já está no caráter em geral altamente político das montagens selecionadas, e que aqui se estende em investigação sobre a realidade do país e os vários sentidos do público: o espaço físico da convivência coletiva, o espaço das relações sociais, o espaço da experiência estética.
Por isso o Seminário traz como tema as “Dimensões públicas da crise e formas de resistência”. Nele estarão reunidos pensadores, ativistas, políticos, especialistas e artistas de várias áreas para projetar, a partir da conjuntura brasileira atual, as relações entre o processo social brasileiro contemporâneo, estética e comportamento. Estarão presentes Heloisa Buarque de Hollanda, Marcelo Freixo, Vladimir Safatle, Ivana Bentes, Suely Rolnik, Rosane Borges, Lúcio Flavio Pinto, Todd Tomorrow, Pablo Ortellado, Marcio Abreu, Ferréz e Nina Caetano.
Seguem então vários desdobramentos dessas ideias centrais: o espanhol Oscar Cornago e a mexicana Ileana Diéguez falam, respectivamente, sobre teatro, público e democracia, e sobre teatralidade, violência e performatividades da dor. Guillermo Calderón, dramaturgo e diretor chileno cujo trabalho está enraizado nas relações entre fontes documentais e formulação artística a partir da realidade histórica, participará de entrevista pública conduzida por Daniele Avila Small e Welington Andrade. Duas mesas tematizam o fazer crítico: “Crítica e curadoria”, proposta pelo site Agora Crítica Teatral; e “Crítica e engajamento”, proposta pela DocumentaCena – Plataforma de Crítica. A mesa final, com participação dos pesquisadores Christine Greiner, Edelcio Mostaço, Óscar Cornago e Silvia Fernandes, refletirá sobre a cena contemporânea de teatro a partir da análise programação da Mostra. Na mesma direção: a tentativa de olhar a cena em termos amplos, de avaliá-la à luz do seu contexto.
O desejo da curadoria dos Olhares Críticos nesta edição é, portanto, o de não apenas traçar a partir do teatro o retrato de um Brasil da crise, e sim projetar a discussão nas suas perspectivas em ensaios e atos construtivos que deem o salto do diagnóstico para a ação de pensamento propriamente dita. Qual seja, o princípio é não só identificar os impasses em estética e política nestes últimos anos como também experimentar a imaginação estética e a imaginação política, no sentido da invenção dos meios e de estratégias que possam operar nas realidades tomando a cena como um potente lugar do discurso, um importante ponto de partida.
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Kil Abreu e Luciana Romagnolli assinam a curadoria dos Olhares Críticos da MITsp 2017. Este eixo da mostra propõe ações que potencializam não só o encontro entre o espectador e a obra, mas a reflexão sobre os contextos sociais, econômicos e políticos nos quais a criação artística está inserida. Saiba mais AQUI.