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TRECHOS DA PEÇA "ENTRE ANÁLISES", DE JULIANA PAMPLONA

Orientação espacial: à esquerda a cadeira do paciente, à direita a cadeira do analista.

(…)

A – (Chegando. B a espera) Desculpa o atraso… (A tira um casaco comprido, gorro, cachecol, luvas etc.)

B – Febre?

A – Estava frio agora mesmo… eu saí de casa era inverno.

B – (B faz anotações numas folhas) Como você está se sentindo hoje?

A – Como uma pessoa traída… O tempo me traiu. Agora. Neste instante. O tempo está me traindo. (A é empurrada. Cai e se levanta como se estivesse acostumada) é como… (Tentando ser compreendida. Explicativa. Desiste.) eu me sinto.

B – E o que você vai fazer a respeito?

A – Eu… (rebelde) Sei lá! Caguei!

(A é empurrada novamente. Cai.)

B – (sério) Sério.

A – (ela tenta falar se levantando, a palavra não vem, tenta de novo, de novo. golfadas de não-palavras) Você viu isso? Ele me traiu de novo. Agora mesmo.

B – (blasé) Perseguição.

A – Não! Eu juro! Eu perdi o tempo.

B – De que?

A – De fa… (a fala é emperrada novamente)

B – Você se sente culpada?

A – Eu não tenho culpa! Tenho? Eu não concedi… Ou será que eu… (Tempo. Aponta para si mesma) Eu estou concedendo. Agora. (Tempo. Surpresa como se falasse de outra pessoa) Viu só como eu sou? Eu deixo! Olha que fácil… (Tempo) Imagine só que eu permito isso. Debaixo do meu nariz. Eu posso contar o tempo pro tempo me trair. Eu posso criar esse tempo pra ele.

B – Você está pedindo!

A – Estou? Será que ele me espera… se eu… sei lá… marcar uma hora, será que ele pára? Eu marco uma hora!

B – É sobre marcar tempo?

A – Marcar hora, minutos, segundos.

B – Não é preciso marcar. O tempo simplesmente acontece. (Ela é empurrada. Cai e se levanta.)

A – Eu não gosto de sustos. Eu gosto de sustos. Mas só quando eu tenho a chance de escolher os meus próprios sustos.

B – E depois é traída pelo tempo…

(…)

A – (repentinamente nervosa. Som de batimentos cardíacos.) Meu deus! (tremendo) O meu coração está disparado.

B – O que foi?

A – Eu sou uma pessoa horrível?

B – O que aconteceu?

A – Eu acho que eu matei alguém…

B – Quando?

A – Quando? (se lembrando) Ah, não. (Some o som de batimentos cardíacos. blasé) Isso ainda não aconteceu. (rápida) Era agora! (tira uma arma do casaco e atira em B.).

(…)

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