TRADUZIR

TEMPO EM BERLIM #4: HEDWIG ALEMÃO

O último espetáculo que assisti em Berlim foi uma nova montagem em alemão do rock-musical “Hedwig and the Angry Inch“. Este foi apresentado no Admiralspalast Klub, um bar-cabaré no underground de um teatro maior, o Admiralspalast na Friedrichstrasse. Fui assistir porque amo este espetáculo, além de ter produzido a versão brasileira; estava curioso por observar as diferenças entre as produções.

Tinha comprado o ingresso no mesmo dia que pousei em Berlim. Animado com a oportunidade, mandei um SMS para John Cameron Mitchell para dividir com ele onde estava e o que ia assistir, só para descobrir que ele também estava em Berlim, a trabalho e para assistir a estreia do “Hedwig” alemão. Ele estava finalizando um comercial e ia tocar como DJ num bar em Berlim naquela mesma noite e daqui a uns dias num club na Varsóvia. Encontrei-me com ele no bar onde estava tocando. Um lugar bem alternativo e escondido no Kreuzberg, com poucas pessoas, eram todos amigos, criando um ambiente amistoso e John atendendo aos pedidos musicais dos amigos. Fiquei pouco tempo pois estava cansado da viagem, mas combinamos um café para o dia seguinte.

Sentamos num café, escolhemos um sofá enorme na calçada com vista para uma igreja do outro lado da rua. Conversamos sobre a nova produção de “Hedwig” com o Neil Patrick Harris que será apresentada na Broadway, ele me explicou como estavam esperando anos o Neil se liberar de um programa de TV para poder assumir a personagem 8 vezes por semana. Sobre o novo texto “Hedwig parte 2”, ele estava terminando a primeira versão e planejava a primeira leitura em setembro (vou tentar estar lá!). Faltava o Stephen Trask terminar de compor as novas canções. Falei sobre a minha última produção, “As Mulheres de Grey Gardens”, e sobre a incerteza de continuidade da nossa versão brasileira.

Infelizmente estávamos marcados para assistir a versão alemã em dias diferentes. Fui no dia 3 de agosto enquanto John só assistiria dia 5.

O espaço de apresentação foi muito bem escolhido. Um bar subterrâneo, estilo speakeasy, os assentos eram sofás e poltronas, sem lugar marcado, com mesinhas de centro, luminárias antigas e o palco num canto do espaço, meio espremido. Colunas por todo o lado impediam a visão completa do palco e o pé direito baixo ajudava a criar um clima de clandestinidade. Em diversas paredes, uma coleção de capas de álbuns de rock, todos heróis da protagonista. Senti-me em um dos cafés em que Hedwig dos cinemas se apresentava.

A versão alemã, como a original, conta com somente uma Hedwig e é mais fiel à composição da personagem original. Não entendi muito, apesar de ter o texto original decorado. Algumas pessoas que estavam a meu lado depois me explicaram que o ator focou muito em cacos improvisados e demorava para voltar ao texto. Mas o público parecia se divertir bastante com os improvisos em alemão. As canções eram parcialmente traduzidas para o alemão, diversos fragmentos completos em inglês. Fiquei decepcionado por eles não terem utilizado projeções e também pela fraca qualidade musical. Mas em outros pontos eles surpreenderam como na interação com o público: Hedwig passou quase o tempo inteiro do espetáculo junto à plateia. Emocionei-me em ouvir as canções do musical, que para mim são muito especiais e lembram como era divertido e boa a experiência de produzir Hedwig no Brasil.

 

 

Ao final encontrei uns cartões postais e filipetas com uma arte linda do espetáculo, peguei alguns exemplares para trazer para os amigos amantes da peça.

Com o olhar de quem fez essa pequena maratona de espetáculos, percebo que o Teatro em Berlim gravita muito mais para o experimental, a buscar novas formas de contar histórias e de experimentar as linguagens artísticas disponíveis, quebrando inclusive as barreiras de idioma. Dentre as peças aqui comentadas, “Hedwig” era a mais careta de todas, mesmo que emocionante. “For the Disconnected Child”, a mais experimental, enquanto que “Peter Pan”, inesquecível dada a sua qualidade estética/sensorial próxima à perfeição. Já as peças do GobSquad apresentam uma forte conexão com a contemporaneidade.

Despedi-me de Berlim para seguir com minha viagem, feliz de conhecer esta cidade que borbulha com a arte contemporânea, sem medo de errar, aceitando os erros e crescendo a partir deles. Segui para novas cidades inspirado e aberto para ainda outras novas experiências.

Categorias: Blog. Tags: carrossel, John Cameron Mitchell e Neil Patrick Harris.