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TEMPO EM BERLIM #1: explosão audiovisual

Com altas recomendações de diversos amigos, fugi do inverno carioca rumo ao verão europeu. Fiquei deslumbrado nesta primeira visita à Berlim, a “Vale-Tudo” das capitais do mundo. Aproveitei os primeiros dias caminhando pela cidade, me situando e entendendo, me perdendo um pouco só para encontrar o caminho um pouco mais à frente. Rapidamente, comecei a discernir entre os nomes das estações de metrô; E em bom tempo, já que no terceiro dia tive que trocar três vezes de metrô para chegar ao Schaubühne para assistir For the Disconnected Child, o mais novo espetáculo de Falk Richter.

O elenco é composto por atores do Schaubühne e bailarinos, músicos e cantores do Berlin Staatsoper, numa colaboração inédita multi-artística. Ao corpo de artistas, Richter – que assina texto, direção e coreografia – convidou um videoartista, que cria a superposição nos painéis de fundo, e sete compositores, que montam a trilha sonora do que visualmente parece ser uma série de vídeo clipes. O resultado é uma mistura de texto com lindas canções, drama e musical e muita coreografia. O diretor também se apropria de diversos estilos musicais, da música popular ao lírico, incluindo algumas cenas da ópera Eugene Onegin de Tchaikovsky, baseado no livro homônimo de Alexander Pushkin.

Misturando o clássico e o contemporâneo, o espetáculo começa com o regente Wolfram-Maria Martig e a orquestra no centro palco, liderados por uma balada contagiante entoada pela guitarra de Helgi Hrafn Jónsson. A orquestra tem a qualidade de ser móvel e alguns de seus integrantes também fazem parte da trama. Aos poucos, ela passa para o canto direito da cena, abrindo espaço para os atores, cantores e bailarinos.

Apesar de não entender alemão, bebi o jogo de cena com empolgação. Os personagens entram e saem como estivessem deixando um clipe musical por outro, numa busca incansável de algo, de uma conexão, negociando o desejo pela proximidade do outro, de uma intimidade que parece ser somente individual, quase impossível de dividir entre duas pessoas. O Encontro vira o momento de clímax, mas num cosmo de conceitos efêmeros sobre estilos de vida, relacionamentos e sociedade, o jogo no palco se torna uma série de testes e conexões continuamente renegociados.

Algumas vezes, as projeções funcionam como complemento do cenário e, em outras, como artifício narrativo, entrando no jogo dos personagens tanto quanto a música. Nos dois andares de cenário, os performers ora se debatem em camas (como numa luta com a insônia, quebrando distâncias entre sonho e realidade), ora se lançam das escadas em saltos suicidas (em um desejo de colidir com qualquer coisa), ou ainda se dependuram do teto ou das paredes, como a flutuar. Seu movimento possui uma precisão e sincronia, mesmo nos momentos mais caóticos. Cada indivíduo exibe ainda um talento na dança (contemporânea ou clássica) e/ou na música (popular ou ópera). As canções, com exceção dos trechos de Tchaikovsky, apresentam um pop/folk/rock contemporâneo dignas de serem hits de 2013.

Assim teve início a pequena maratona de teatro-experiência em Berlim. Saí razoavelmente confuso pela barreira da língua, porém embebido com a explosão audiovisual daquele acontecimento total (dança, ópera, filme, show de rock e teatro). Espelhando o excesso de informação e mídia do Hoje, Richter aplicou uma multi-linguagem que diz muito além da língua falada, alcançando a compreensão do outro, de modo a colidir com eficácia e a se desconectar continuamente.

Categorias: Blog. Tags: Berlim, Berlin Staatsoper, carrossel, Falk Richter, Schaubühne e Tchaikovsky.