Eu não me lembro de quando ouvi pela primeira vez o termo “artista-pesquisador”, mas, conservo em mim a sensação de que este nome é capaz de dar sentido à busca que vários artistas fazem, busca esta marcada pela indissociabilidade entre criação e pesquisa. No programa da [mostra hífen de pesquisa-cena], a professora Adriana Schneider [UFRJ] diz que “se a universidade é o lugar de compartilhar o conhecimento para o experimento que virá, é inevitável que ela contribua para o surgimento de um novo tipo de aluno e de professor: artistas-pesquisadores”.
Após e-mails e telefonemas, descobri que atualmente há um grupo de pesquisa formado pelas professoras Adriana Schneider, Eleonora Fabião, Gabriela Lírio, Rosyane Trotta, Tania Alice e Tatiana Motta Lima. Elas são professoras das Universidades Federal do Rio de Janeiro [UFRJ] e Federal do Estado do Rio de Janeiro [UNIRIO] e também atrizes, dramaturgas, diretoras e performers. Neste grupo, elas se voltam à reflexão do lugar do pesquisador, que sendo também artista, cria e pesquisa dentro das graduações e, sobretudo, nas pós-graduações em artes.
De acordo com a diretora, dramaturga e professora Rosyane Trotta [UNIRIO], o termo “artista-pesquisador” está ligado ao surgimento dos cursos de pós-graduação em artes e, sobretudo, diretamente ligado à entrada de artistas para lecionar nas universidades. Ela cita que a dissertação “A gênese da Vertigem: o processo de criação de O Paraíso Perdido” do diretor Antonio Araújo, do Teatro da Vertigem, é inaugural não do termo, mas de um tipo de pesquisa voltada para a criação das artes cênicas.
No último espetáculo que escrevi e dirigi junto ao Teatro Inominável, SINFONIA SONHO (2012), o menino Kevin (Márcio Machado), com nove anos de idade, se vê bruscamente capturado pelo desejo de se tornar música, por conta da peça que ensaia em sua escola. Por várias noites, trancado em seu quarto, o garoto ensaia a sua personagem exaustivamente e se indaga: “como eu faço pra ser isso? Como eu faço pra ser alguma coisa diferente do que eu sou? Primeiro eu pergunto. Pra chegar mais perto do problema. Mas é um problema? Existe um problema?”.
E, ao mesmo tempo em que fala, o seu corpo também age a sua busca. E é neste ponto preciso – o da tentativa em acontecimento, tanto pelo verbo como pela ação – que Kevin me faz chegar ao cerne deste projeto que estou coordenando junto ao TEMPO_FESTIVAL: o Projeto Artista-Pesquisador apresenta um grupo de 11 artistas[1], também pesquisadores, que investigam – neste exato momento – a obra dos artistas que integram a programação do TEMPO_FESTIVAL com intuito de desdobra-las para um número maior de interlocutores (e espectadores).
A citação de Kevin valida o desejo de encontro com aquilo que nos desorienta, apenas por ser distinto. Ao colocar um grupo de pesquisadores em contato com a criação de outros artistas, este projeto desdobra o seu nome – Artista-Pesquisador – sobre o outro, anulando desde já a ideia de que a pesquisa esteja fadada a ser um movimento narcísico e voltado para si próprio. As ações em curso visam o estudo, a produção e publicação de textos sobre as obras que se apresentarão no festival e também a realização de ações de divulgação destes artistas em espaços de ensino, visando formar um público interessado em acompanhar as atrações do festival.
Nessa busca por definição, acabo me desvencilhando da exigência de encontrar a origem do termo “artista-pesquisador” para me deter naquilo que me parece mais essencial tanto ao termo quanto ao projeto Artista-Pesquisador: a tentativa. A impermanência e o movimento como características determinantes ao artista que visa não somente criar a sua pesquisa, mas também pesquisar a sua cria e, sobretudo, colocá-la em diálogo com a pesquisa e a criação do outro.
Assim, neste jogo entrelaçado e multiplicador, o artista-pesquisador se revela como uma categoria política por excelência, já que requisita para si a possibilidade de colocar em teste as classificações dadas e também, ao mesmo tempo, a possibilidade de chacoalhar os modos tradicionais de produção e recepção artística. Tomado pela diferença e pelo encontro com o outro, cabe ao artista-pesquisador revigorar a sua prática e atualizar o tempo e o espaço em que age.
Aqui no TEMPO_CONTÍNUO, esses artistas apresentam, a partir de agora, as suas pesquisas e criações a partir do universo de cada criação que se apresentará em de 04 a 14 de outubro no TEMPO_FESTIVAL.
Diogo Liberano
Coordenador do projeto Artista-Pesquisador no TEMPO_FESTIVAL das Artes, curador da [ mostra hífen de pesquisa-cena ] e diretor artístico da companhia carioca Teatro Inominável
[1] São eles: Bernardo Lorga, Clarice Lissovsky, Davi Giordano, Flávia Naves, Lucas Canavarro, Maria Eduarda Magalhães, Natássia Vello, Nina Balbi, Patrícia Teles, Tomás Braune e Yves Baeta.