A propósito sobre exposição da artista francesa Sophie Calle que chegou ao Rio nesta semana, nas questões sobre o tempo e a simultaniedade que vem sendo levantadas no Tempo Festival das artes, e no bilhete que acabo de receber pelo correio, me pego pensando sobre o ato de se corresponder.
O e-mail veio substituir a carta e isso não é novidade para ninguém. A necessidade de se comunicar é latente ao ser humano, e, acredito que o ato missivista também. As cartas estão presentes na literatura mundial, em Os sofrimentos do Jovem Werther, de Goethe, Cartas a um jovem poeta, de Rilke ou As ligações perigosas, de Choderlos de Laclos. Não faz muito tempo todos tinham uma caixa onde guardavam esses pequenos fragmentos de história. Estes objetos que, mesmo bem guardados, eram sujeitos às mudanças do tempo, e que continham lembranças passadas, ou promessas futuras, que, em sua maioria haviam sofrido a lacuna no tempo devido à demora no envio. Era como se o futuro só pudesse ser contado a partir do momento em que o destinatário recebesse seu envelope. Até chegar ao dono, os planos ficavam em suspenso esperando a hora da largada. É curioso notar a atmosfera de romance que permeia todo o processo de escrita, envio e recebimento de uma carta, muito bem captado por François Truffaut em Jules e Jim, em que as cartas chegam a seu destino sempre defasadas, sempre para complicar e nada solucionar. Não posso deixar de lembrar, aqui, um antigo hobbie que até pouco tempo era comum entre as meninas: o ato de colecionar e trocar papéis de carta. Enormes pastas com folhas plásticas, papéis despojados na maioria das vezes em pares, onde os brilhosos tinham mais valor sobre os demais. Acredito que isso esteja chegando à extinção, e que a geração de 80 seja o último bastião dos que colecionaram, escreveram e receberam cartas.
No entanto, hoje em dia, temos o e-mail que nada mais é que a versão 2.0 da carta. Ele funciona com alguns parâmetros iguais às antigas correspondências, ao mesmo tempo em que dialoga com a simultaneidade. São muitos os teóricos que falam sobre a questão da narrativa e da escrita. Walter Benjamin, filósofo contemporâneo alemão, é um deles. Para Benjamin, na atmosfera do romance a escrita surge como elo entre dois seres solitários(1). Existe o tempo da escrita, o se debruçar nas palavras, um trabalho quase de garimpo, onde cada linha permite, talvez não somente uma reflexão, mas uma constante modificação. A carta nos permitia múltiplas pausas através do seu ritual, que o e-mail não mantém. Escrevemos um e-mail no impulso, apertamos enviar e quantas vezes vamos nos “enviados” e percebemos que não era bem aquilo que queríamos dizer. É a certeza da errata simultânea. Mandamos outro na ânsia de substituir o primeiro – no fundo de nada adianta. É necessário se criar rituais antes de mandar um e-mail, na esperança de ser melhor compreendido. Talvez tenha sido isso que Sophie Calle tenha demonstrado quando trouxe ao público o famigerado e-mail do escritor Gregoire Bouiller, em suas múltiplas interpretações. Antes de apertar enviar, pense três vezes, você não terá mais a última chance entre sua casa e os correios.
(1) Regina Zilberman : Memória entre oralidade e escrita http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/viewFile/621/452
Detalhe da exposição Cuide de Você, 52ª Bienal de Veneza, 2007.