TRADUZIR

O TÚNEL – PERCURSO PELA LITERATURA DE ERNESTO SABATO

[Para ser lido ao som de Sly – Massive Attack]

No mês em homenagem às produções artísticas Ibero-Americanas no TEMPO, temas a abordar não faltam sobre cinema, design, artes plásticas e literatura. Diante de um universo tão diversificado, escolher uma só área, pessoa, ou obra para lançarmos nosso olhar, é um exercício de abdicação que possui certo grau de dificuldade. Rapidamente, sem pestanejar, proponho que fiquemos com a literatura. Porém, mesmo dentro deste recorte existe um mundo a ser explorado. Nomes como: Gabriel Garcia Márquez, Roberto Bolaño, Octavio Paz, Enrique Vila-Matas, Jorge Luis Borges, Júlio Cortazar, Adolfo Bioy Casares, Manuel Puig, José Saramago, Pablo Neruda e Ernesto Sabato, entre tantos outros que podíamos ficar citando aqui, surgem de forma cascateada em nossas mentes. Todos, com dois pontos em comum: latinos e contemporâneos.

Todavia, são somente esses dois pontos que nos permite colocar esses autores no mesmo caldeirão. Estamos diante de personalidades e obras distintas, e classificá-los, assim, seria, muito provavelmente, empobrecedor. Poderíamos separá-los então, por países (Argentina, México, Chile, Colômbia), por amizade (Vila Matas e Bolaño, Borges e Casares), aqueles que moraram em Paris (Cortázar e Sabato), por estilo literário (conto, poesia, romance) e este post não teria fim. É necessário, pois, recortar ainda mais. Optemos então pela Argentina, e dentro dos autores portenhos, por Ernesto Sabato.

Sabato tem doutorado em física, fez parte da Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas, e hoje em dia se dedica exclusivamente às artes plásticas, não só por prazer, mas por uma doença que o impede de ler e escrever. Autor de diversas obras, destacam-se: O túnel, Sobre heróis e tumbasO escritor e seus fantasmas e Antes do fim, todos lançados no Brasil pela Cia.das Letras. Seu primeiro romance publicado foi O túnel, em 1948, e conta a história de Juan Pablo Castel e María Iribarne. Divido em 39 capítulos curtos, como se fossem pequenos contos, a história do pintor que se apaixona por uma moça misteriosa que julga ser umas das poucas pessoas, se não a única, a entendê-lo, começa pelo fim, e se desenvolve mostrando para o leitor um caso de paixão, obsessão e ciúme. Quanto mais Juan força María a se expor, mais esquiva ela se torna, e mais doentio o comportamento dele fica. Pode parecer uma história de amor banal, com obviamente um final não tão feliz. Porém, O túnel não trata disso. Sabato explica que a ideia inicial era escrever um conto sobre um pintor que enlouquecia com a incapacidade de comunicação e compreensão com uma mulher que, levianamente, ele achou cumpridora destas funções. Segundo o próprio, seria um tema metafísico, que acabou voltando-se para questões mundanas, pertinentes à realidade amorosa – “É que o seres de carne e osso não podem jamais representar as angústias metafísicas sob o estado de ideias puras: fazem-no sempre encarnando essa ideias, obscurecendo-as com sentimentos e paixões”.

O resultado é uma narrativa que fala acima de tudo de solidão, idealizações e uma busca por um outro que entenda nossa essência. O túnel é de uma beleza tocante, de uma paixão frenética e de um existencialismo arrebatador. Talvez seja por isso, que dentro de tantas escolhas que poderíamos ter feito, este livro específico foi o primeiro a surgir claramente em nossas cabeças.

E às vezes coincidia de eu passar diante de uma de minhas janelas e ela estar à minha espera, muda e ansiosa (por que à minha espera? por que muda e ansiosa?); mas às vezes ela não chegava a tempo ou se esquecia deste pobre ser enclausurado, e então, com o rosto apertado contra o muro de vidro, eu a via ao longe sorrir ou dançar despreocupadamente ou, o que era pior, não a via em absoluto e a imaginava em lugares inacessíveis ou vis. E então sentia que meu destino era infinitamente mais solitário que o imaginado”.

Categorias: Blog. Tags: Adolfo Bioy Casares, Enrique Vila-Matas, Ernesto Sabato, Gabriel Garcia Márquez, Jorge Luis Borges, José Saramago, Júlio Cortazar, Manuel Puig, Octavio Paz, Pablo Neruda e Roberto Bolaño.