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O disco e o circo

Em 1980, um rumor forte e estudos ufológicos apontavam para a chegada de um disco voador em Casimiro de Abreu. Muita gente acreditou e resolveu ir para lá recepcionar os ETs. Mas muita gente mesmo: 30.000 pessoas saíram dos municípios mais próximos, juntaram amigos, cervejas, vinhos e mais o que coubesse escondido no bolso ou no sutiã, e rumaram para Casimiro. Era início dos anos 80, final de ditadura militar, e um contingente daquele tamanho, uma reunião de jovens motivada por criaturas extra-terrenas, tinha cheiro de encrenca. ET passou a ser coisa de polícia. O caso virou manchete de jornal, que tinha desde regras sobre como recepcionar os ETs, para não assustá-los, até entrevistas com estudiosos da via láctea. Era muito doidão junto. Muito fervor. A pequena Casimiro de Abreu passou a ter um pé em Woodstock.

E lá se vão mais de trinta anos.

De lá vamos para 2013. Festival de Cinema do Rio.

Era uma noite de quinta, já se sentia um prenúncio de verão na sessão noturna do Cine Lagoon. A diretora Clarice Saliby apresentou seu curta-metragem Efeito Casimiro, um documentário sobre o episódio do disco voador. Na platéia da sessão, estávamos eu, meus irmãos e nossos pais. O pai foi um dos entrevistados do filme: ele estava lá, em Casimiro Woodstock, e disse que não pousou nenhum disco voador, tudo que se viu foi um passarinho. Pois é, os ETs deram bolo na galera. A narrativa do documentário, muito bem construída a partir das entrevistas e de uma pesquisa de imagens e jornais, descortina, a partir de um episódio pitoresco, uma porção de comportamentos sociais e todo um contexto histórico: a rebeldia, a loucura, o engajamento político, a liberdade, o humor.

O documentário A Farra do Circo deu seguimento à sessão. Roberto Berliner, um dos diretores do longa (ao lado de Pedro Bronz), usou na construção do filme imagens que havia filmado nos anos 80, quando era filmmaker. E assim contou a história de uma geração de artistas que apostou na criação de um circo no Arpoador para dar voz à expressão livre, à poesia, à arte. Ali estiveram Caetano, Gil, Cazuza, Renato Russo, Debora Colker, Andrea Beltrão, Regina Casé, Manhas e Manias, Perfeito Fortuna, nossa querida curadora Bia Junqueira e tantos outros. O Circo foi (e ainda é) uma parte da história do Rio de Janeiro que ecoou na cultura do país todo. No documentário, Berliner não usou imagens atuais, tampouco depoimentos de hoje em dia. Pareceu evitar falas de distanciamento histórico e montou um filme inteiro com relatos da época. Enquanto dura a projeção, o espectador compartilha o ideal, a crise, a angústia e a vontade de ruptura daqueles artistas, sem piscar para o presente.

O disco voador, de Casimiro. E o Circo Voador, da Lapa.

Finda a sessão dupla, fica o registro – e a sensação – de uma geração de artistas, pensadores, intelectuais e cientistas que queriam simplesmente voar. Seja para apartar-se da situação política, para explorar novos caminhos, para inventar uma nova vida. Voar era muito urgente.

Nasci em 84, portanto sou herdeira dos voadores, que, hoje, são pais e avós. Há quem veja nas narrativas sobre essa época, como fazem os documentários de Saliby e Berliner, uma nostalgia: um ciclo cumprido, um momento acabado. Pois a minha aposta é que eles nos deixaram muitas possibilidades de tirar o pé do chão: aviões, balões, discos voadores, pares de asas. Tudo isso está por aí. Pronto para decolar.

Categorias: Blog. Tags: carrossel, Pedro Bronz e Roberto Berliner.