Na última terça-feira (12/09) começou o segundo turno do TEMPO_FESTIVAL, e tive a sorte de assistir ao espetáculo de dança “Nem ogros nem princesas” (“Ni ogros ni prencesas”), da companhia espanhola Provisional Danza (“provisional” é provisório em espanhol). Carmen Werner e Alejandro Morata encenam movimentos de dança contemporânea e teatro, em que a tônica é, como diz o release no site do festival (senti falta de um programinha do espetáculo, mesmo simples, sou daquelas viciadas em papel), “a solidão, a necessidade de ser ouvido, a falta de comunicação”. Já a primeira cena traduz em gestos essas questões: ele está em cima de um banco baixo, e ela, próxima dele, pula ao seu encontro. O homem agarra a mulher, suspendendo-a, e aos poucos a escorrega novamente pro chão. Essa cena, linda, emblemática e bastante potente, introduz o tema do espetáculo ao público. Amor, relações humanas, desejo, comunicação.
Quando assisto a um espetáculo de dança, principalmente dança contemporânea, enxergo todo os movimentos como muito relevantes e participantes da cena. Para mim, é como se não houvesse excesso: tudo é incorporado, todos os atos fazem parte da apresentação. Em “Nem ogros nem princesas” até mesmo as falas dos bailarinos fazem parte da cena. Ele, às vezes ogro, emite grunhidos, sons, raivosos ou ternos. Ela, às vezes princesa, diz (variando entre o espanhol e o inglês): “Tudo é muito sofisticado, tudo é muito cool. O meu vestido é elástico, ele é sofisticado”. Um vestido branco de malha com saia bastante godê, lindo (e incrivelmente não transparente). Ele, de terno preto, gravata preta e camisa social branca. Os dois descalços. Tudo muito sofisticado.
Impressiona o corpo da bailarina, de Carmen Werner, e um dos pontos altos do espetáculo é o momento em que ela, virada de costas na diagonal para o público, despe somente a parte de cima do seu vestido, fazendo de um modo que parece, na verdade, vestir seu corpo, e não somente desnudá-lo. É o ato de vestir o corpo. Uma mulher de, talvez, 60 anos, um corpo, até certo ponto, inesperado, porque é fato que os corpos mais velhos não costumam ser mostrados. A beleza do gesto está na coragem da exposição e na confiança da bailarina em seu ato e seu público. Entre os ogros e as princesas estão os humanos, nem tão monstruosos e nem tão impecáveis. Os figurinos, comuns e, realmente, sofisticados, mostram muito bem a interpretação do espetáculo para os humanos: simples e grandes em sua banalidade.
(Carolina Casarin é figurinista, mestre em Letras pela UFRJ e mantém o blog Figurinistadefilmeporno.tumblr.com. – contato: carolinacasarin07@gmail.com | @carolinacasarin)