[por Marcos Damigo*]
O que há de mais sofisticado hoje em termos do cruzamento entre teatro e artes audiovisuais, no Brasil e talvez no mundo, é o trabalho capitaneado pelo diretor Zé Celso Martinez Corrêa à frente do Teatro Oficina.
Nos próximos dias será lançada em DVD a saga de Os Sertões, série de cinco filmes gravados a partir das peças que o diretor montou baseado na obra de Euclides da Cunha. Para se ter uma ideia da dimensão do projeto, foram 810 horas de material bruto, captados a partir de onze câmeras móveis, uma delas instalada numa grua, além de uma steady cam e uma flying cam. Oito das câmeras eram manipuladas por diretores de cinema ou diretores de fotografia. Com as câmeras inseridas na cena e a equipe participando ativamente do espetáculo, é de se esperar que o resultado seja bem interessante.
Além disso, é possível assistir ao vivo às apresentações que o grupo vem realizando pelo país (as próximas serão em Belo Horizonte no mês de outubro). E no próprio teatro, para quem tem o privilégio de presenciar ao vivo a sessão de algum de seus espetáculos, Zé Celso tem encontrado cada vez mais uma harmonia que integra a tecnologia à cena e potencializa os efeitos narrativos. Posso estar enganado, pois ninguém nunca me disse isso, mas acredito que toda essa história começou porque o Teatro Oficina tem uma acústica ruim, e a disposição da plateia nas laterais de um palco comprido não favorece muito a visualização do espetáculo. Lembro de já ter sofrido muito por não conseguir ouvir o que era dito em cena, ou de me sentir literalmente distante de algo que ocorria do outro lado do teatro.
Aos poucos, Zé Celso começou a inserir microfones e câmeras em seus espetáculos e a projetar imagens por todo o espaço. A partir daí algo muito interessante começou a acontecer: é comum em suas peças o cruzamento geral e irrestrito entre os planos da(s) ficção(ões) e o da(s) realidade(s), fazendo com que a cena se desdobre em múltiplas camadas de sentidos. Zé Celso tem a capacidade de falar ao mesmo tempo de muitas coisas, iluminando umas às outras, sem nunca perder a perspectiva de que aquele ato ocorre em tempo e espaço reais, ou seja, no “aqui e agora”.
Pois bem, acredito que, à medida em que câmeras, microfones e projetores de imagens foram sendo incorporados à cena, Zé Celso e sua trupe iniciou um processo de investigação das possibilidades de uso narrativo desses recursos que culminou com o lançamento desses DVDs, das transmissões ao vivo pela internet e de cenas belíssimas em que os atores são projetados sobre o espaço, misturados a outras imagens e às vezes até a textos escritos.
É para mim o melhor exemplo da tecnologia colocada a serviço da arte.
*[Marcos Damigo é um ator, autor, preparador corporal, diretor e produtor de teatro brasileiro.]