TRADUZIR

Minha casa, sua casa

TRIO DAS CASASNo início de 2017, o carioca frequentador de salas de espetáculo foi surpreendido pela notícia do fechamento por tempo indeterminado do Teatro Tom Jobim, no Jardim Botânico, Zona Sul da cidade. É mais um a engrossar uma triste e crescente lista nos últimos anos, que inclui uma das salas do Teatro do Leblon, a Casa de Gávea, o Teatro Glória… Mas, como costuma acontecer em tempos difíceis, ações abnegadas vem tentando equilibrar o jogo ou, pelo menos, compensar as perdas.

E se construir um teatro para encenar peças é complicado e dispendioso, alguns artistas têm investido pessoalmente na compra e reforma de imóveis dedicados a outras atividades relacionadas às artes cênicas — tanto como desenvolvimento dos seus próprios processos de criação quanto para a classe teatral de forma mais ampla (cedendo espaço para ensaios, encontros, leituras, residências) e até, eventualmente, realizando atividades para o público.

O TEMPO_CONTÍNUO conversou com os administradores de três desses lugares, de perfis variados: Bianca Byington, proprietária da Casa Quintal de Artes Cênicas, na Lapa, que conta com um espaço para ensaios mas também vem recebendo uma extensa programação de oficinas, leituras e performances; Gilberto Gawronski, do Ateliê Cênico, em Santa Teresa, mais voltado para a pesquisa cênica, interagindo com outros artistas; e Artur Luanda Ribeiro, parceiro de André Curti na companhia franco-brasileira Dos à Deux, ambos donos de um casarão antigo, na Glória, onde desenvolvem suas montagens e já receberam outras companhias. Em comum, além do amor à arte, a coragem e disposição de iniciar um projeto mesmo sem a participação do poder público ou de patrocinadores privados. Confira a seguir os depoimentos de cada um.

BIANCA BYINGTON

“Há dois anos, eu decidi morar no mato, comprar uma pequena terra, fazer uma casa e largar tudo aqui. Depois de muitas reviravoltas, esse plano virou a Casa Quintal, na Lapa. Na verdade, ela é fruto de uma crise, e representa um desejo de transformação. Quero poder colaborar e participar do processo de criação de outras pessoas. Tendemos ao isolamento, e é preciso lutar contra isso. Eu tentei me inscrever num edital da prefeitura para reforma de imóveis tombados e preservados no centro do Rio, mas o edital deixou de existir em 2014, então resolvi fazer tudo sozinha. A minha ideia foi criar um espaço de encontro, no sentido mais amplo possível da palavra. Por enquanto abrimos para ensaios, leituras de textos inéditos, workshops de dança e canto e para a Mostra Hífen de Pesquisa-Cena, trazida pelo Rafael Faustini, nosso administrador. Mas temos muitos planos para 2017! Desde o início, antes mesmo de fazer a obra, convidei alguns amigos para formar uma espécie de conselho artístico da casa. São pessoas em que confio e com as quais compartilho o modo de ver a vida e a profissão. Eles me ajudam nas decisões e nas escolhas e também na prática sempre que podem. Gostaria de um dia poder gerar lucro suficiente para remunerar a todos e oficializar um grupo de criação. Mas, por enquanto, estamos todos ali por amor. E tem muito amor!”

GILBERTO GAWRONSKI

“Acho que dispor de um espaço pra criação individual melhora a qualidade do conjunto da produção cultural. É benéfico tanto para o artista quanto para o público. Minha proposta com a feitura de um ateliê é a pesquisa cênica, portanto um espaço mais fechado para os artistas. Eventualmente as portas até podem abrir para o público, se o trabalho sendo desenvolvido pedir isso. Mas é um espaço pré-público, onde a pesquisa da linguagem e metodologias de concepção norteiam o trabalho. Quanto às questões que tangenciam o poder público e essa iniciativa, não me sinto apto a opinar, pois desenvolvi o meu projeto com recursos próprios e não sei exatamente o que o poder público oferece para essas iniciativas. Todavia, se houver interesse do poder público estou aberto para um diálogo.”

ARTUR LUANDA RIBEIRO

“Acho essencial, teria que ser mesmo uma prioridade para os grupos: ter um espaço, uma certa autonomia. Em tempos como os nossos, ter um lugar para desenvolver uma pesquisa é importante. Por mais que não tenha verba, você continua trabalhando. Como todo pintor precisa de um ateliê, todo ator precisa de um espaço para se exercitar. Ter um espaço multidisciplinar, onde várias coisas podem acontecer como artes plásticas e música. Isso seria o primeiro investimento para qualquer artista. Na França, isso vem sendo adotado desde os anos 80. Pegar um lugar velho, reestruturar, para em seguida ter o apoio público, que ajude a mantê-lo. O que falta atualmente no Brasil é a verba para manter o espaço, porque isso encarece muito. Se o poder público desse um incentivo para as companhias manterem o espaço, elas criariam atividades e cursos que alimentariam mais o mercado. É uma escada! Você tem mais condição, vai produzindo mais. Pegando como exemplo a Sede das Cias (espaço cultural na Lapa, mantido desde meados de 2016 sem patrocínio), que é uma cooperativa que junta forças para ter um espaço de trabalho, isso também é uma alternativa. Isso seria o ideal para este momento de crise. As pessoas não estão com dinheiro para comprar um espaço ou alugar sozinhas. Agora o melhor seria o que já está acontecendo na França, que é a mutualização: colocar várias ferramentas à disposição do artista, produção, divulgação, espaços. Acho que seria o futuro. Não dá mais para ficar no cantinho, sozinho, precisa estar junto com outros para que a coisa tenha uma força e voz. No nosso caso, é a gente continuar batalhando para o espaço ser reconhecido e ter meios para viabilizar a frequência dele. Ter uma verba para mantê-lo, ter pessoas para administrar.”

[fotos: Felipe Fittipaldi (Bianca), arquivo pessoal (Artur e André) e Renato Krueger (Gilberto)]

Categorias: Blog. Tags: André Curti, Artur Luanda Ribeiro, Bianca Byington, Dos à Deux e Gilberto Gawronski.