Falk Richter é mais um fruto do fértil pomar que é a cena alemã. Nascido no final da década de 60, ele estudou direção de atores na Universidade de Hamburg, formando-se em 1985 em meio a um grupo de artistas e criadores que ficou conhecido como “A Escola de Hamburgo“. Além de Richter, integram este time Nicolas Stemann, Sandra Strunz, Matthias von Hartz e Ute Rauwald.
De lá para cá, Richter só fez aperfeiçoar a sua carreira artística, atuando ora como diretor, ora como autor, ora misturando as duas atividades. Depois de, em 2001, ser diretor permanente do teatro Schauspielhaus Zürich, ele passou a colaborar frequentemente com o teatro Schaubühne am Lehniner Platz, em Berlim, instituição que ocupa um lugar central na experimentação teatral alemã. É neste espaço, que tem direção artística de Thomas Ostermeier, que Richter estreou, em setembro de 2014, o seu último espetáculo (a sua décima sétima estreia no Schaubühne): Never Forever (Nunca Sempre).
Realizado em parceria com o coreógrafo israelense Nir de Volff e os dançarinos da companhia TOTAL BRUTAL, Never Forever é mais um capítulo da obsessão de Richter com a mídia. Neste caso, a cena é ocupada por oito personagens que destrincham, ao longo de mais ou menos uma hora e meia de espetáculo, todas as frustrações decorrentes de nosso mundo überconectado. O foco aqui são as mídias sociais, os aplicativos de relacionamento e toda sorte de gadgets eletrônicos que facilitam a nossa vida na exata medida em que nos estimulam ao consumo de produtos tangíveis e intangíveis, fazendo de nós máquinas de desejos jamais saciados.
A insatisfação individual; as infelicidades decorrentes de promessas não cumpridas por produtos e avatares de Facebook; as carências afetivas e a ambiguidade de um proximidade distante são temas recorrentes em Never Forever. Não à toa, o cenário do espetáculo valoriza esta sociedade de solitários, na medida em que dispõe células metálicas que localizam os performers em pequenos conjugados espaciais.
A dramaturgia compõe-se em grande parte de perguntas, se referindo a todo momento à world wide web. Em um dos momentos mais hilários do espetáculo, um jovem gay se dirige à plateia com um discurso todo entremeado de hashtags, questionando o fato de ter sido abandonado pelo parceiro encontrado no GrindR, Tinder, OkCupid ou qualquer outro aplicativo de relacionamento. De fato, a impossibilidade de um relacionamento real entre os indivíduos em uma sociedade repleta de mídias sociais é o mote central do espetáculo. Infelizes com seu isolamento, os indivíduos já não podem mais também buscar no outro o conforto para o passar dos dias.
É claro que a atmosfera biopolítica paira absolutamente sobre o espetáculo. No entanto, engana-se que tal situação condiciona apenas o nosso momento histórico pós-humano. Em uma das cenas mais sugestivas do espetáculo, no palco transformado em cemitério, a mais idosa atriz do conjunto, Ilse Ritter, declama versos de Meine Ruh’ ist hin (Minha paz se foi), retirado da décima quinta cena da primeira parte do Fausto de Goethe. Ao entoar os primeiros versos, “Minha paz se foi | Meu coração está pesado | Eu não a acharei nunca e nunca mais”, a personagem se une ao coro melancólico, trazendo um contraponto histórico que reforça a instabilidade dos outros personagens. Levando esta perspectiva histórica, Richter parece nos dizer que a insatisfação e a carência são de nossa época, mas, sobretudo, de nossa espécie. E, assim, nunca sempre fomos saciados.