Notas sobre THE CIVIL WARS (texto e direção de Milo Rau) e SOEURS (texto e direção Wajdi Mouawad), integrantes do Festival of International New Drama (F.I.N.D. #15) 2015, que ocorreu em Abril entre os dias 17 e 26.
Um fato curioso que venho percebendo em Berlim é que ninguém acha que sou turista. Não falo nada de alemão, muitas vezes não me visto de preto, azul escuro, ou cinza (acho que sou a única pessoa que tem um casaco amarelo), como o GPS do meu celular não está funcionando estou perdido constantemente e sorrio para as pessoas sem motivo aparente. Não quero dizer que os berlinenses são deprimidos, mas há algo no comportamento que os difere do nosso sangue latino, do calor, da descontração e cores dos “brasukas”. Ainda assim, não sou tratado como um turista. Ninguém é.
No Rio, por exemplo, com muitos visitantes, nossa primeira reação é sempre a de perguntar há quanto tempo a pessoa chegou, o que já visitou e para onde vai depois, e ficamos surpresos quando alguém com sotaque diferente diz que mora por lá. Berlim é uma cidade confortável, que te deposita o desejo de permanência.
Assisti ao espetáculo Civil Wars, do suíço Milo Rau. A peça traz quatro atores em cena, dois franceses e dois belgas, uma mulher e três homens, cinco atos. O cenário é um apartamento simples com uma grande tela de projeção no alto.
Começa com uma pergunta simples: o que te impulsiona a ir para a Síria? Os relatos são focados na ausência de um pai, de momentos e relações estabelecidas nesse sentimento. Numa encenação que representa a produção de um filme documental, os atores se posicionam, são filmados e projetados ao vivo sem grandes movimentações e nenhum interação entre eles. Milo, o diretor, não busca um teatro de ação, mas sim um teatro de reflexão. O tempo todo questiona se a arte tem como função uma postura crítica da situação atual da sociedade. O que ainda nos mantém unidos em tempos de radicalismo extremo, mudanças e crises climáticas, declínio da moral e a brutalidade da sociedade?
A maioria das perguntas não são respondidas, talvez porque não exista tal resposta. Milo Rau peca na duração, um pouco mais de duas horas com um discurso que muitas das vezes se torna repetitivo.
Percebo que existe um foco no festival desse ano: movimentos migratórios, exílios e principalmente a situação de refugiados, uma grande questão aqui neste momento. No dia anterior uma matéria no jornal havia chocado a cidade: um barco com refugiados que tentavam atravessar o Mediterrâneo saindo do Egito com cerca de vinte metros e oitocentas pessoas afundou, causando a morte da maioria dos tripulantes. Outras matérias afirmam que mais de cinco mil pessoas morreram nos últimos dezoito meses na tentativa de atravessar o Mediterrâneo. Conflitos como o do sul do Sudão, na Síria ou no Iraque, que estão longe de uma resolução, forçaram mais de cinquenta milhões de pessoas a imigrar de seus países, número nunca visto após a Segunda Guerra Mundial. Existe uma luta para criar consciência sobre essa situação. Pergunta-se coisas como: sabemos que eles vão migrar, e aí, vamos deixar as pessoas morrerem?
Já no dia seguinte assisti Sœurs, do canadense Wajdi Mouawad, com certeza um dos nomes mais esperados no festival (mesmo autor e diretor de “Incêndios”, montada no Brasil com direção do Aderbal Freire-Filho). A peça também não foge muito desse tema, mas com certeza Wajdi tem uma pegada mais humana, com foco no sentimento de pertencimento a um lugar. A atriz, Annick Bergeron, única em cena, divide-se em dois personagens, uma professora canadense que cresceu sob influência francesa, e uma fiscal de seguradora que mudou para o Canadá bem pequena com seu pai, fugindo da guerra do Líbano.
A peça é bem executada, efeitos, projeções, boa interpretação, mas Wajdi também peca na duração e no sentimentalismo. Num movimento muitas vezes forçado para causar emoção na plateia, algo que ele já havia feito em outros espetáculos. Cria climas, tempos e uma trilha que busca a emoção pela emoção. Por outro lado, essa peça tem um surrealismo muito interessante, referência ao universo quase fantástico do Murakami, e do futuro tecnológico extremamente explorado em “Electronic City“, de Falk Ricther. O quarto de hotel, único cenário da peça, é interativo e funciona à base de comandos de voz: ligar luzes, tv, wake-up call. Mas, felizmente, como as máquinas estão longe de nos dominar, curtos-circuitos e defeitos fazem com que algumas coisas – ou nada – funcione, gerando momentos bem engraçados.
A peça é delicada e relata emoções desde os momentos mais simples, como uma filha que liga carente para a mãe, até questões existenciais sobre a nossa origem e o sentimento de chamar um lugar de “lar”.
No fim dos espetáculos, alguém da produção do festival sobe ao palco e explica que o festival está apoiando uma instituição que fornece assistência jurídica para refugiados na Alemanha, para resolverem sua situação e poderem ficar legalmente no país. Você também pode ajudar, doando na saída do teatro. A produção agradece.