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AS IMPLICAÇÕES DO VÍDEO / MICHAEL HANEKE

[por Rafael Medeiros*]

O cinema ímpar produzido pelo austríaco Michael Haneke não é obra do acaso: depois de estudar Psicologia, Filosofia e Teatro, o diretor de filmes como A Professora de Piano passou a utilizar-se do meio como arma contra a passividade do público de cinema – e certamente como uma profunda crítica à sociedade européia.

Dentro do tema proposto pelo Tempo_Contínuo para o mês de setembro, Haneke surge não só como artista capaz de entrelaçar linguagens dentro de seus filmes, mas também como profundo questionador do meio audiovisual. São dois os filmes que expõem claramente a faceta traiçoeira do vídeo (e forçam o público a lidar com suas implicações): Benny’s Video e Funny Games (Violência Gratuita).

Benny’s Video foi o segundo filme de Haneke e também a segunda parte da Trilogia da Glaciação proposta por ele em 1989. O filme chocou os austríacos por mostrar, de uma forma antipsicológica, a história de  um aficcionado por vídeos de apenas 12 anos que mata uma menina a sangue frio “para ver como é”. A frieza dos personagens e a distância glacial da câmera mantêm o clima acéptico proposto: como em um estúdio, tudo é branco, cinza e silencioso, e os seres ali presentes interferem apenas para que a situação permaneça estável a todo e qualquer custo.

O vídeo de Benny, neste caso, é um constante filme dentro do filme. A multiplicidade de janelas que o diretor abre são partes da realidade que se tornam registro, e Benny sofre o efeito da distância de interesse pelo real em detrimento da posição passiva de espectador – a mesma posição em que se encontra o público enquanto assiste à obra. O prosseguimento do filme é tão distante quanto o próprio assassinato: é como se a vida não estivesse ali, apenas os procedimentos operacionais de um voyeur.

Em Funny Games, a questão mais elucidativa veio do próprio diretor, ao dizer: “Eu tento devolver a violência àquilo que ela realmente é: dor, dano a outra pessoa”. Assitir a este filme se torna uma experiência de dor sem catarse, a provocação ao público impossibilita a imparcialidade do mesmo. Na exibição em Cannes, em 1997, o diretor Wim Wenders abandonou a sala, como tantas outras pessoas também fizeram.

O filme conta a história de 2 assassinos (um deles o ator que interpreta Benny, seis anos depois) que invadem a casa de uma família torturando e matando-os metodicamente. Colocar-se frente a este filme significa, então, lidar com a agonia de assistir à falta de moral e culpa destes jovens. Mas não apenas isso: quando o plano do assassinato dá errado, um deles simplesmente rebobina a projeção, inutilizando o poder do espectador diante deste filme explícito, que tem a ousadia de se declarar como obra de ficção e fantasia.

Em suma, Haneke coloca o vídeo na posição que lhe pertence: a de alteração da realidade, negando a possibilidade de um filme sem autoria ou responsabilidade e colocando o espectador como participante ativo dos acontecimentos que sucedem na tela. A partir daí, a linguagem audiovisual não pode ser encarada como um meio ou uma reprodução, ela se torna a implicação direta de uma manipulação da realidade.

[Rafael é formado em Desenho Industrial, estudou na Escola de Cinema Darcy Ribeiro e trabalha como cenógrafo e diretor de arte.]

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