Antes de qualquer coisa, um aviso: acontecem segunda e terça (19h30) as últimas apresentações de “Senhora dos Afogados”, dirigido por Ana Kfouri, no Rio de Janeiro, mais precisamente nas instalações do restaurante Albamar (Praça XV). Portanto, sinta-se à vontade para sair do computador e ir comprar o ingresso. Ou então fique por aqui mesmo, que a gente te conta porque é imperdível.
Ao decidir encenar “A senhora dos afogados”, de Nelson Rodrigues, Ana Kfouri não seguiu o impulso mais óbvio – em se tratando de Nelson – de explorar o texto a partir de sua dramaticidade e psicologia e, ao invés, evocou a potência da fala e da voz para construir sua adaptação.
A história, uma das mais emblemáticas tragédias do autor, é um drama familiar onde as relações com o mar são proféticas, o que levou Ana a buscar um cenário que fosse parte da dramaturgia. A primeira ideia foi o Arpoador, “Mas (a atmosfera) era muito leve”, disse a diretora. O restaurante Albamar veio como a opção seguinte, provando-se a combinação perfeita entre um ambiente domiciliar e uma paisagem “marítima” com densidade. Do lado de dentro, o público acompanha a peça deslocando-se nos ambiente desta casa de família, enquanto do lado de fora as prostitutas do Cais do Porto entoam cânticos para lamentar a morte de uma colega de profissão, assassinada pelo pai da família. Sob a supervisão musical de Raquel Coutinho, as vozes penetram a casa e ampliam a percepção da cena.
No mês em que o TEMPO_CONTÍNUO propõe o tema “Rua”, foi uma coincidência quase necessária ter uma peça da diretora em cartaz. A interpenetração do espaço público/privado desenvolvida neste trabalho é uma forma eficiente de potencializar a maneira como são afetados os atores e espectadores. A construção situacional que engloba tanto o exterior quanto o interior acaba por expôr todos às “mesmas” condições, preenchendo a lacuna que geralmente afasta o público da performance.
A aposta de Kfouri na interlocução entre dramaturgia, cenário e música são uma exponencialização da experiência teatral. Quem assistiu à ópera dirigida por ela em 2006, I Capuletti e I Montecchi no Theatro Municipal, sabe que a sensibilidade musical e a habilidade de utilização de um espaço (quando abria as portas dos fundos do teatro, trazendo o Centro para dentro do Municipal) são características fortes do trabalho da atriz e diretora, que também fez parte da Cia. Teatral de Movimento e do extinto Grupo Alice 118.
A participação de Ana nestes dois grupos foram (e ainda são) – como ela própria contou – fundamentais para o desenvolvimento de uma linguagem, uma vez que a convivência e o trabalho em companhia trazem a afinidade, a intimidade e a verticalidade para a criação de espetáculos ousados como Esfíncter (2005) e para a colaboração destas pessoas a longo prazo, a exemplo da própria “A senhora dos afogados”, que conta com atores que foram parceiros de Ana em suas companhias.
Resta apenas torcermos para que a peça continue sua temporada por todo o Brasil (e explorando espaços inusitados, criando seu próprio mar) e que a visita de Kfouri à Paris este ano traga notícias boas para o intercâmbio entre os dois países, especialmente porque Ana coordenou em 2009 o ano da França no Brasil.
Restaurante Albamar – Praça Marechal Âncora, 186 – Praça XV, Centro
Até 1 de fevereiro. Segundas e terças às 19h30.
Ingressos: R$20 – Informações: 8855-1982