Homenageada da 11ª edição do Prêmio APTR de Teatro, cuja cerimônia aconteceu na terça, 11 de abril, a atriz Renata Sorrah foi responsável por um dos momentos mais emocionantes da noite. Em um discurso belo e, ao mesmo tempo, contundente, ela refletiu sobre o que espera inspirar nos outros através do seu trabalho, relembrou amigos e colegas de profissão e ainda falou sobre o momento atual do Brasil. Confira:
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“Para mim, arte é o lugar da liberdade. Nós estamos vivendo um momento, agora, em que é muito importante a gente refletir sobre a liberdade. Sobre como a nossa liberdade não diminui a liberdade do outro. Eu tenho o privilégio de ser uma atriz e de poder exercer a minha liberdade através da arte. Eu espero sinceramente que quando as pessoas me virem no palco, me virem atuar, elas consigam se sentir convidadas a serem livres e também serem mais dispostas a serem afetadas pelo outro, assim como eu estou me sentindo agora, aqui com vocês.
Dentro de mim, moram todas as pessoas que já trabalharam comigo. Diretores, diretoras, produtores, atrizes, atores, cenógrafos, figurinistas, costureiras, técnicos de som, iluminadores, técnicos de luz, todas as pessoas. Essas pessoas que fazem parte da nossa história. Essas pessoas que me transformaram profundamente e que me transformam. Pessoas que me mostraram e que me mostram a potência que existe em ser artista. Eu espero sinceramente que todas essas pessoas, ao me verem no palco, ao me verem atuar, elas consigam sentir como elas foram importantes para mim. Como elas são importantes para mim.
Eu espero sinceramente que quando o Amir [Haddad] me vir atuar, ele se sinta orgulhoso, muito orgulhoso de ter aberto todas as portas do teatro para mim. Eu espero que o Amir saiba que me abrir as portas do teatro, justamente no período da ditadura, me deu armas para ser livre, mesmo em um período de tanta censura. Isso foi há cinquenta anos atrás.
Eu espero que todas as minhas parceiras, atrizes, ao longo desses anos — essas mulheres do teatro, que além de divas do teatro, são mães, amigas, intelectuais —, eu espero que essas minhas parceiras consigam se ver em mim quando me veem atuar. Eu espero que a Fernanda [Montenegro] consiga ver em mim todos os beijos na boca que nós demos durante todas as representações de “As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant”.
Eu trabalhei com muitos diretores e diretoras geniais. Produtores e produtoras, brasileiros, estrangeiros, todos incríveis. E eu espero que todos eles consigam se ver em mim quando me veem trabalhar. Eu espero que a Companhia Brasileira de Teatro e que o Marcio Abreu saibam o quanto eu me sinto mais livre e mais resistente hoje, trabalhando com eles.
Eu espero atuar mais e mais e mais. E, por fim, eu espero sinceramente que esse meu jeito de atuar, de alguma maneira, estimule essas militâncias fortes e potentes que nós temos hoje no Brasil. Eu espero que as feministas, que todos os movimentos dos negros, os trans, que os movimentos de resistência do teatro, que os produtores militantes, que todos eles se sintam mais potentes e mais fortes quando me veem trabalhar.
O Brasil está vivendo um momento de terremoto. E quando nós estamos vivendo em uma guerra, é muito importante a gente escolher as nossas armas. E a nossa arma, meus amigos queridos, a nossa arma é a mais linda que pode existir: é a arte.
Muito obrigada.
[aplausos, até que ela retoma o microfone]
Só mais uma coisa: eu tive a minha primeira decepção amorosa quando tinha uns 12 anos. E fui reclamar com o meu pai. Eu disse a ele: “Você não me falou que a vida era assim, que teria essas tristezas, esse sofrimento!”. E ele me disse: “Como assim? Eu falei para você. Eu disse, a gente está aqui para trabalhar, trabalhar, trabalhar.” E, desde então, eu fiquei ainda mais apaixonada pelo meu pai, e por Tchekhov [que, em “As Três Irmãs”, escreveu: “O homem deve trabalhar, trabalhar até a última gota de seu suor… Cada homem, sem exceção. Está nisso o objetivo e o sentido de sua existência, sua felicidade, sua alegria”]. E eu espero que todos aqui possam fazer isso: trabalhar, trabalhar, trabalhar.
Obrigada.”
[foto de Cristina Granato: Amir Haddad entrega a Renata Sorrah o troféu relativo à homenagem do ano na 11ª edição do Prêmio APTR]