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"A FALTA QUE NOS MOVE" – INTIMIDADE E INTIMIDAÇÃO

(Texto da artista visual Luciana Paiva – lupaiva@gmail.com)

Durante as três horas que assisti a projeção do filme A falta que nos move, dirigido por Christiane Jatahy, tudo foi inquietação.

A excelente montagem das telas no pátio da Escola de Artes Visuais do Parque Lage somadas ao ambiente confortável criado, com iluminação azulada, sofás e cadeiras aconchegantes eram certamente mais encantadores do que a tensão das conversas fragmentadas entre os personagens apresentados, onde, vez ou outra, ouvia-se com clareza os dados da realidade/ficção acontecendo logo ali ao lado.

Conversas misturavam e, pouco a pouco, acabei por perceber que a estranheza da instalação cinematográfica era justamente essa simultaneidade de duração temporal ante uma inversão de ambientes – externo e interno. Nada no ambiente interno ocupado pelos atores – casa e projeção – sugeria uma amenização pela intimidade do convívio, ao contrário, pouco a pouco intimidade convertia-se em uma espécie de intimidação.  Já aqui, de fora – do filme e no pátio – somos colocados em uma posição aprazível e aconchegante, envoltos e elipsados pela projeção.

Sutilmente, a instalação acaba por apresentar essa dualidade entre voluntariedade e involuntariedade na exposição da intimidade sugerida atualmente em diversas propostas e imagens contemporâneas e que acaba por confirmar a noção de que a intimidade é uma construção (SENNET, Richard. Declínio do homem publico: As tiranias da intimidade(o). São Paulo: Companhia das Letras, 1988.)  Porém, se a exposição da intimidade surge como evidencia da vulnerabilidade, este, talvez, seja o único indício que um indivíduo realmente pode ter de sua intimidade.

Categorias: Blog. Tags: Christiane Jatahy, EA Parque Lage e Luciana Paiva.