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A BOCA DO TEMPO

60 seconds. Ignacio Uriarte, 2005. (relógios de pulso em círculo)

Corro para  fazer qualquer coisa. Nunca sinto que o tempo está aqui, disponível para mim. Que posso desfrutar dele. Um dia depois do outro, com calma. Mesmo que seja nada, eu preciso fazê-lo. Talvez por isso eu tenha virado uma acrobata cuja especialidade é parar de mãos. Virar de cabeça para baixo, e simplesmente parar – em qualquer objeto, lugar, pessoa. Mas mesmo para parar, faço esforço, fico muito cansada. O treinamento diário, o cansaço muscular e mental. No circo, a gente gasta muito o tempo para conseguir esquecer dele por alguns instantes. E esse tempo, me falta sempre. Por isso corro todos os dias fisicamente, e sentada. Estou sempre correndo entre ensaios. Fico horas e horas nos textos para escrever um parágrafo ou outro, e meses, às vezes anos, para aprender um movimento. Me perdendo no tempo, e me lembrando dele a todo momento. O circo e a literatura são lugares de esquecimento, ficamos muito tempo mergulhados nos ensaios escritos e executados; mas porque eles são a realidade ela mesma, como já dizia Henry Miller…

“O circo é uma pequenina arena fechada de esquecimento. Por algum tempo permite que nos percamos, nos dissolvamos em deslumbramento e felicidade, que sejamos transportados pelo mistério. Saímos estonteados, tristes e horrorizados pela face cotidiana do mundo. Porém o velho mundo de todos os dias, o mundo que achamos ser muito nosso conhecido, é o único mundo, e é um mundo de mágica, de inexaurível mágica. Assim como o palhaço, prosseguimos de um quadro para outro, sempre fingindo, sempre adiando o grande acontecimento. Morremos lutando para nascer. Jamais fomos nascidos, jamais nascemos. Estamos sempre no processo de vir a ser, sempre separados e isolados. Do lado de fora para sempre.”

(*Henry Miller, O Sorriso ao Pé da Escada, Editora Salamandra, 1979.)

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