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A ARTE DE OUVIR MÚSICA E FAZER AMIGOS

Como você ouve música?

No carro? Na academia? Na praia? Lavando louça? No Youtube? Na casa dos amigos? Na balada? No trabalho? Essa pergunta realmente importa? Ou você é tão fissurado em música que adota a roupa, as gírias, as drogas e os maneirismos da época e de seus artistas favoritos?

“Será que música é algo assim tão sério? Sempre pensei que ela servisse para deixar as pessoas felizes.” – declarou o imperador da Áustria, Francisco José, em 1907. Ele se referia às atitudes do compositor Gustav Mahler, na época, diretor da Ópera de Viena e famoso por não aturar espectadores tagarelas, obrigar os atrasados a esperar no saguão e eliminar os aplausos curtos entre os números.

Imagino Mahler, hoje, andando pelos bares do Rio de Janeiro que tem música ao vivo e televisão aos berros. Ou ele entrando em uma sala de cinema para assistir um filme e um celular toca. Ou ainda, se o compositor fosse à praia e alguém, com o rádio do carro nas alturas, não o deixasse ouvir som do mar? E aturar gente que vai a um show como quem vai a uma festa e não pára de “socializar”? Acredito que, no mínimo, ele teria uma crise de nervos.

Hoje em dia, a facilidade de consumir e ouvir qualquer coisa a qualquer hora, ampliou um certo “saber secreto” e transformou mais gente em colecionadores compulsivos. Segundo o crítico musical Simon Reynolds, “um estilo musical não era apenas uma escolha do consumidor mas uma maneira de expressar urgência, lealdade e identificação política”.

Concordo e posso dizer que música na minha vida sempre teve a ver com trocar referências, formar amizades. Compartilhar discos, livros, filmes, revistas, gravações, clipes, discotecar em festas, apresentar programas de rádio ou pela internet e tocar em uma banda. Tudo em torno da música. Na época de colégio conheci dois grandes amigos (e continuamos até hoje) graças a um botton do The Who na mochila de um deles, e o outro por causa de uma camisa do Joy Division – eu achava incrível alguém ter e usar na escola.

Depois de um tempo, os amigos sabem muito bem que som, estilo ou banda te apresentar. Ouvi o “Sister” do Sonic Youth pela primeira vez na casa de um amigo, muito fã da banda. Aquele som era um alívio pra tudo o que existia fora daquele quarto.

Quando os Strokes apareceram com o single de “Modern Age”, eu e um outro amigo ficamos empolgados por ouvir a música que parecia antiga, mas com cara de nova, e cada single lançado pelos caras era mais um motivo para comemorar.

E assim foi com cada disco novo dos Smiths, New Order e a primeira vez que ouvi Nirvana. O impacto do “Axis – Bold as Love” do Hendrix em um dia de semana a tarde, ou a trilha de “Deus e o Diabo na Terra do Sol” e a coletânea “Música Popular do Nordeste”. O “Transa” do Caetano, o “Highway 61” do Dylan e mais tarde o “Blood on the Tracks”, o “Transformer” do Lou Reed, o “Todos os Olhos” do Tom Zé, na piscina ao som de Pixies. No cantar desesperado de “I am human and I need to be loved, just like everybody else does” nas festinhas, na roda de pogo com “Should I Stay or Should I Go” do Clash, na prática do air guitar com “There’s no Other Way” do Blur. Na paz de um domingo à tarde ao som de “Veleiro Azul” do Luiz Melodia, na roda de ciranda pra comemorar o ano novo com “Jurubeba” de Gil & Jorge. Lembranças, nomes, imagens, riffs, a trilha sonora de todos os dias.

Categorias: Blog. Tags: carrossel, Francisco José, Gustav Mahler, Joy Division, Simon Reynolds, Sonic Youth, The Strokes e The Who.