Bandas diametralmente opostas com as mesmas influências: Velvet Underground, melodias dos Beach Boys com distorção, The Stooges e bandas de garagem. Uma para os dias nublados e a outra para os dias de chuva. Ironias à parte, foi um fim de mês agitado no Rio de Janeiro – O J&MC no dia 27 e o YLT no dia 31 de Maio – com a apresentação desses heróis do indie rock.
A primeira vez que vi o J&MC ao vivo em palco – 1990 – também foi a primeira vez que entrei na então famosa casa de shows Canecão (hoje fechado e abandonado por uma briga na justiça). Até hoje não consigo lembrar de como eu consegui dinheiro para ir ao show. Lembro de alguns amigos que chegaram mais cedo e ficaram na porta tentando arrumar uns ingressos, durante a passagem de som. Eles conseguiram e entraram direto na lista do guitarrista William Reid – com o irmão Jim Reid é um dos fundadores da banda – comovido com a muvuca, liberou uns nomes para entrar de graça.
Na época, o J&MC tinha tudo o que eu esperava de uma banda. Som alto, distorcido, visual sixties com variações (topete, camisa xadrez, óculos escuros e sarcasmo). Tinha também uma coisa sombria, agressiva e ameaçadora no palco. Tinha a lenda que os irmãos brigavam, ou faziam um set de quinze minutos e terminavam o show, ou seja, qualquer coisa poderia acontecer.
Mesmo com toda a vontade de assistir aquele show e com todas as músicas decoradas na cabeça, não consegui distinguir nenhuma versão. Tudo esfumaçado, caótico e distorcido. Uma das noites mais divertidas da vida.
Vinte e quatro anos depois, na Marina da Glória, com o som mais limpo e o desfile de hits que só não foi mais burocrático por que dava pra ver um sorriso de canto de boca de Jim Reid ao microfone. Parecia um fantasma do J&MC, só com os dois irmãos da formação original, demorou pra emocionar – só durante o refrão de”Some Candy Talking”, uma das músicas mais bonitas do J&MC. No mais, foi uma boa reunião de amigos na plateia. Muitos estavam lá naquele primeiro show do Canecão, o que deixou a noite fria e nublada um pouco mais acolhedora.
Com a apresentação do Yo La Tengo aconteceu o contrário. O primeiro show deles, aqui há 14 anos atrás, no extinto Ballroom foi um desastre. Banda desencontrada, perdidos, os integrantes brigaram feio, achei que eles fossem terminar assim que pisassem fora do palco. Achei uma pena, porque eu não parava de ouvir a banda, principalmente o álbum “I Can Hear The Heart Beating as One” (1997), um dos melhores que eles já lançaram.
Ira Kaplan (guitarra e vocal), Georgia Hubley (Bateria e vocal) e James McNew (Baixo e teclados) estão na estrada desde 1984 e ajudaram a definir o tal do indie rock.
Como diria o crítico musical Simon Reynolds, o indie é a contramão do pop. Foco nas canções mais do que nos maneirismos do cantor. É o contrário da ostentação e do sexismo. Se o que orienta as paradas de sucesso é o culto ao corpo e a dança (Lady Gaga, Madonna, Beyoncé) , o indie é a anti-dança. São as mãos segurando o pedestal como uma muleta, é a partitura corporal livre de Morrissey, é o “Never Understand” do Jesus and The Mary Chain e a guitarra no joelho de Ira Kaplan e seus movimentos frenéticos contra as normas da boa postura, mas com o controle total e preciso de cada distorção.
No Circo Voador, o YLT realizou o show que eu, você e todo mundo que estava ali gostaria de ter visto no Ballroom. Alternando a zoeira com momentos acústicos e quase inaudíveis – às vezes disputando com a ansiedade da plateia – puro entretenimento para adultos.
Posso dizer que foi uma semana puxada. Em um contexto histórico, político e social totalmente diferente da primeira vez que vi as duas bandas – claro que a dimensão e o brilho das coisas já não são mais os mesmos – mas a capacidade de se abismar e se apaixonar continua “until the end”.