Observando o panorama teatral apresentado no Santiago a Mil, pode-se afirmar, com absoluta certeza e nenhuma sombra de dúvida, que a multidisciplinaridade está em alta. Seja pela presença de profissionais de diversas áreas em um só grupo, seja pelos assuntos debatidos nos espetáculos, seja pelo formato que estes apresentam, a multidisciplinaridade se faz presente, sob diversas facetas e com muitas surpresas.
A companhia chilena TeatroCinema já evidencia o carater multidisciplinar em seu próprio título. Fundada em 2006 por Laura Pizarro e Juan Carlos Zagal, o grupo é um desdobramento da companhia La Troppa, criada em 1987 pelos mesmos fundadores. Com o TeatroCinema, Zagal e Pizarro propõem o que eles chamam de “con-fusão” das técnicas e formas narrativas do teatro e do cinema. Além das duas linguagens, o grupo se preocupa em manter um estreito contato com as novas mídias de comunicação e de informação, através da incorporação de experimentos tecnológicos em suas propostas cênicas. Um dos resultados desta aproximação é o espetáculo O homem que dava de comer às mariposas, apresentado no festival e que se caracteriza pelo seu impecável aparato tecnológico, que mistura paisagens 3D com atores e atrizes em cena, confundindo as barreiras entre o real e o virtual.
Já a companhia belga NeedCompany, que já esteve no Brasil com o espetáculo Isabella’s room (com direção de Jan Lauwers), é integrada por artistas de trajetórias e nacionalidades tão distintas quanto complementares. Co-fundadora da companhia, a coreógrafa Grace Ellen Barkey nasceu na Indonésia e apresentou em Santiago o espetáculo Esta porta é muito pequena (para um urso), que parte de uma parceria entre Barkey e a artista plástica Lot Lemm. O ponto de partida para a peça é a frase de Frank Zappa: “O absurdo é a única realidade”. O espetáculo todo se constrói na relação, por vezes próxima, por vezes distante, entre a realidade e o absurdo, em cenas que remetem à obras já consagradas como Ato sem Palavras I e II, de Samuel Beckett. Atores, roupas e eletrodomésticos compõem as cenas, oscilando entre movimentos e inércias que questionam, com muito humor e uma dose cavalar de nonsense, as fronteiras entre a vida e a morte.
Uma das surpresas do festival foi, sem dúvida, o espetáculo El Gallo, da companhia mexicana Teatro de Ciertos Habitantes, fundada por um dos diretores mais importantes da safra mexicana, Claudio Valdés Kuri. A obra, interpretada por atores provenientes do Irã, Japão, Antilhas Francesas e México, mostra os bastidores de um ensaio a duas semanas da estréia. Falada toda em gromelô (uma lingua inventada pelos atores), a peça é uma ópera contemporânea, com direção musical de Gamaliel Gano, que prima pela experimentação cênica e pela agilidade dos intérpretes. Será que esta surpresa aparecerá nos palcos cariocas este ano? Cruzemos os dedos!