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O TEMPO DA ÍNDIA EM LONDRES

Sob o céu imponente de Londres, em pleno inverno inglês, duas importantes galerias de arte tratam de reavaliar a importância da produção artística surgida, não na terra dos Beatles, mas no país de Mahatma Gandhi. O interesse inglês na produção indiana, evidentemente, tem suas raízes no acelerado desenvolvimento econômico do país asiático. A Índia, ao lado do Brasil, da Rússia e da China, são chamados de brick-countries, dada a crescente importância das economias destes países na atualidade. Neste sentido, as exposições cumprem um papel diplomático entre Inglaterra e Índia e também apimentam o mercado de arte com as mais belas e criativas especiarias artísticas indianas.

Where three dreams cross: 150 years of photography from India, Pakistan and Bangladesh é o nome da exposição que a Whitechapel Gallery oferece aos visitantes, focalizando a história da fotografia sob a perspectiva destes três países. Com a curadoria de Sunil Gupta, a exposição conta com fotografias produzidas no século XIX, retratos de personalidades importantes do cenário cultural asiático do século XX (como Madre Tereza de Calcutá e Gandhi) e também trabalhos de artistas contemporâneos. Além disso, é possível encontrar também na Whitechapel uma história do cinema indiano a partir de um conjunto significativo de registros fotográficos de produções cinematográficas de Bollywood. O destaque da exposição fica por conta dos trabalhos de Nandini Valli Muthiah e de Sonia Khurana.

Em três grandes fotografias que compõem a sua Krishna Series, Nandini Valli  Muthiah encarna Krishna, o Deus indiano – importante figura mitológica que aparece em diversas tradições filosóficas e teológicas hindu. Atuando como o deus de si mesmo e problematizando a separação entre as esferas divina e humana, Nandini, um fotógrafo indiano nascido em 1976, produz fotografias em que a tradicional figura aparece em situações e estados-de-alma contemporâneos. Nas fotografias aqui exibidas, Krishna-Nandini está, por exemplo, em um quarto de hotel sob o efeito de uma grave desilusão (este estado psicológico nos é informado pelo título das fotografias: neste caso, desilusão I e II).


Sonia Khurana, nascida em 1968, apresenta um conjunto de Stills de seu vídeo Bird, de 1999, em exibição no Centre Pompidou, em Paris. Em Bird, assiste-se a inúmeras tentativas frustradas de vôo de uma mulher gorda e nua. Questiona-se, neste trabalho, a beleza feminina, em um vídeo de 2 minutos em que o espectador observa, com uma certa aflição, os movimentos grotescos desta mulher que tenta, em vão, desafiar a gravidade.

Enquanto que a Whitechapel Gallery exibe a história da fotografia sob a perspectiva de três países asiáticos (Índia, Bangladesh e Paquistão), a Saatchi Gallery abriga a exposição de arte contemporânea indiana, intitulada The Empire Strikes Back: Indian Art Today. Nela, é possível entrar em contato com um conjunto de criações artísticas das mais recentes produzidas na Índia. Não há, neste caso, um estilo, um tema ou uma técnica específica transversal aos trabalhos. Pelo contrário. Andando pelas salas da Saatchi, observa-se a multiplicidade de procedimentos, operações artísticas e interesses que marca a produção indiana. Neste sentido (mas não apenas neste), a arte contemporânea indiana não se diferencia de seus pares internacionais.

É possível, por exemplo, apreciar as esculturas de Huma Bhabha em que o artista utiliza diferentes materiais para produzir obras cujos processos construtivos estão diante dos olhos. Trata-se de esculturas que revelam as suas próprias estruturas que, por vezes, são marcadas por uma precariedade construtiva que podem remeter, de modo sutil, aos trabalhos de Giacometti. Tal como o escultor, Bhabha flerta com antropomorfismos, não de modo a criar um corpo belo que crie uma ilusão de realidade, mas para problematizar a estrutura corporal humana.

Este não é o caso, por exemplo, das esculturas de Kriti Ahora, marcadas pela extrema fidelidade anatômica dos corpos esculpidos. Feitas de fibra de vidro, as esculturas de Ahora revelam, em tamanho real, corpos de trabalhadores mortos durante a guerra de Kashmir. Jitish Kallat, por sua vez, reproduz com apuro corpos de meninos indianos esculpidos em diferentes tamanhos (enquanto Eruda é uma enorme escultura, de aproximadamente 3 metros de altura, Annexe possui meio metro). Tanto as esculturas de Kallat quanto as de Ahora são negras, criando uma tensão em relação a tradição greco-romana, marcada por esculturas

Outro destaque da exposição é o trabalho de Chitra Ganesh, em que a artista utiliza, como suportes artísticos, o seu próprio corpo e a fotografia. Ganesh, que também trabalha com ilustrações em quadrinhos (também expostas na Saatchi), lida com questões como o misticismo e a mutilação em produções como o tríptico Hidden.

Categorias: Notícias. Tags: Índia, Londres, Saatchi Gallery e Whitechapel Gallery.