Em 1992, quando os diretores Pierre-André Boutang e Dominique Rabourdin lançaram o documentário “Serge Daney: Itinéraire d’un ‘ciné-fils'” (“Serge Daney: itinerário de um cinéfilo”) não poderiam imaginar que ele se transformaria em peça de teatro. Pois foi isso o que aconteceu, duas décadas mais tarde.
O documentário mostra Serge Daney, um dos pensadores de cinema mais influentes da França (comparado a Georges Sadoul e a André Bazin), pouco antes de sua morte em 1992, por decorrência da AIDS. A importância de Daney no panorama crítico cinematográfico é constatada por sua criação da revista Visages du cinema (1964) e também pela sua contribuição na prestigiosa Cahiers du cinema, onde chega a ser editor da publicação, em 1973, dividindo a direção com Serge Toubiana até 1979. Na década de 80, Daney publica seus textos no Libération, jornal onde, por quase uma década, será responsável pela área de cinema. É nesta época que ele vem ao Brasil, visitando São Paulo. Em 1991, ele cria outra revista, a Trafic.
A entrevista à Regis Debray funciona como um testamento no qual Daney fala do cinema à luz da experiência pessoal. Pode-se constatar, por exemplo, a crença do crítico na função de espelho que o cinema desempenha ao projetar (e ver-se projetado, ele próprio) seu filme pessoal, ou seja, sua aprendizagem e sua melancolia. Esta ideia é resumida pela célebre expressão criada por ele a partir de um jogo de palavras: cinéfile (cinéfilo) transforma-se em cine-fils, ou “cine-filho”, para designar alguém que é literalmente filho do cinema, como ele foi.
O espetáculo criado por Nicolas Bouchaud e Didry Eric, é resultante da transcrição exata das entrevistas. O discurso do crítico, que se autodefine como um “caminhante”, é um dos elementos fundamentais da criação. O ator, que já interpretou os papéis-título de “A Vida de Galileu”, de Brecht, “Rei Lear”, de Shakespeare, e, recentemente, esteve em uma montagem de “A Dama do Maxim”, de Feydeau, dá sua voz a um dos maiores pensadores da história do cinema.