Sobre a Occupation Rio em Londres
Olimpíadas Culturais – 2012
O tempo parece estar condicionado ao limite de 30 dias e todas as horas que o compõem. Parece pouco, e os 30 artistas que estão trabalhando no Rio Occupation London não param, nem quando dormem, tenho certeza que aos braços de Morfeu, eles devem estar “decupando” melhor seus filmes, roteiros, cenas novas, objetos que devem ser incluídos ou retirados, desenhos e poemas, caixas e projeções, figurinos, corridas, visitas, musicas e entre outras ocupações mentais.
Não existem limites a principio, tudo requer habilidades (artísticas e de convivência) para conseguir driblar as adversidades, limites da língua, questões tecnológicas, entre outras possíveis barreiras que um projeto-evento como este requer. Os problemas acabam por ganhar soluções por vezes mais originais e resultado de cada etapa assumem contornos olímpicos aptos a quebrar recordes onde, com certeza, o que interessa é a arte e a convivência.
Nada parece fácil, nada se revela confortante para eles. Mas os olhos brilham nos diálogos, na forma em que estão sendo recebidos por toda a equipe, capitaneada pelo incansável Paul Heritage e sua equipe do People’s Palace Projects que, dentro do bunker cultural do Battersea Arts Center, não medem esforços para que tudo seja da melhor forma possível e isto, com certeza, requer mais que esforço. Necessita de habilidade no trato, na condução das questões intermináveis que estão vinculadas ao dia a dia, na demanda dos, agora não mais 30 e sim um número muito maior, que, a partir da chegada, se somando com o objetivo de cruzar a imaginária linha de chegada chamada Festival Finale, mas que, obviamente, não terá fim, mas desdobramentos. Pois aí está o grande interesse e estímulo provocado pela Secretaria Estadual de Cultura do Rio de Janeiro, sob a regência de Adriana Rattes e sua, também dedicada equipe que, desde do início, acreditaram neste projeto arriscado e importante.
Foram várias apresentações em diversos espaços da cidade, incluindo o famoso museu V&A, o teatro Albany, área nova da nova da TATE Modern -The Tanks (soberbo), a outrora biscuit factory (V22). Algumas ocupcões mais bem sucedidas do que outras, mas isso pouco importa. O saldo é mais do que positivo. O primeiro dia das “apresentações finais”, na V22, apresenta a marca de cada artista miscigenados entre si e com o público que ainda perplexo, procura saber como se relacionar com “aquilo que estava sendo visto”.
Uma piscina com bolinhas de isopor em projeções multicoloridas, de Paulo Camacho, convidava os espectadores ao mergulho no seu Dive in; sandálias havaianas acopladas a sacos de areia de Marcela Levi em (Sand) walk with me era curiosa com nuances de Lygia Clark, um labirinto de projeções simultâneas unia o dia a dia do Complexo do Alemão e de Brixton pelo interessante Alleyway de Eddu Grau; vitrolas, rádios, poltronas, livros ganharam sonoridades híbridas e profundamente teatrais na vibrante de Siri (vestido com “saia escocesa” e camiseta silkada com um feto em ultrassom e que me fez lembrar o trabalho de Vivianne Westwood).
Outros trabalhos merecem destaque como os registros das visitas artísticas de Christiane Jatahy – In the confort of your own home – também diretora artística deste embodiment, que junto com Gringo Cardia, conseguiu dar personalidade ao conjunto tão cheio de talentos e diversidade. Felipe Rocha mantem a sua originalidade mesmo em outros segmentos artísticos e seu curta – metragem Maybe in Lisbon, ganha contornos de novelle vague e apresenta uma atriz de mão cheia, com beleza rara em meio à labirínticas dramaturgias teatrais num, roteiro delicioso – o final do filme é uma saborosa homenagem ao lounge artístico carioca no BAC, localizado no bairro de Clapham Juction um “longe-perto’ do centro de Londres.
Day by Night de Emanuel Aragão, subverte o teatro, transforma-o em outra coisa, talvez cinema, talvez filosofia, talvez literatura, mas de fato uma provocação a quem se prende à chamada ação dramática que o teatro tanto exige. Nesta peça, o espectador é convidado a participar da cena-festa roubada de um filme, por mim não visto, de Antonioni, A Noite. Destaque para Stela Rabelo, em atuação cheia de nuances, e seu partner anglo-italiano canastrão. Participar das entrelinhas, descobrir a trama em meia a uma festa de cartas marcadas entre figurantes-espectadores, é uma bem mais do que entretenimento no espetáculo que é um prato cheio against a mesmice da cena carioca contemporânea.
E por falar em pratos, bem, chegamos no âmago da questão: Brazilian Kitchen comemora o melhor e o mais óbvio que poderia se destacar da carioquice habitual – uma musica da melhor qualidade liderada pela bela voz de Pedro Miranda, figura impar neste coletivo-colaboratório, munido da deliciosa “banda” que por onde passou deixou seu rastro pelos seus componentes ímpares – Domenico (Jesus como cozinha!!), que veio não apenas para multiplicar as musicalidades mas dar alento as subjetividades artísticas sempre com histórias adoráveis.
A poesia de Ramon Melo, o contundente documentário de Bruno Viana sobre fosseis arqueológicos atuais , “o take mais longo da histora do cinema” de Laura Lima, a poética roupagem de Eric Fuly & Rodson Rossa, a eficiência no trabalho munida à uma visão artística diferenciada de Dina Salem Levy, as bananas de papel cortada a faca em intervenção urbana de Breno Pineschi, o escambo cibernético em Brixton de Pedro Rivera, os belos painéis de João Sanches, tudo e mais e mais: Gustavo Ciríaco, Alessandra Maestrini, Eduardo Nunes, Anna Azevedo, por exemplo, entre todos os talentosos nomes, não apenas estreitam os laços culturais mas apontam caminhos para este Rio que desagua no mar, chega no oceano, toca na ilha que faz parte de um mundo que gira o tempo todo “para nossa alegria”.
César Augusto
Curador
TEMPO_FESTIVAL das Artes