Hoje é dada a largada para a 17ª edição do Porto Alegre Em Cena e, neste ano, o evento se inicia com chave de ouro: o espetáculo Dias Felizes (Happy Days) dirigido por ninguém menos que Bob Wilson.
Escrita por Samuel Beckett em 1971, a peça, cuja primeira montagem aconteceu em Nova York, já foi encenada diversas vezes ao redor do mundo, tendo a protagonista Winnie sido interpretada por grandes atrizes como Brenda Bruce, Irene Worth, Peggy Ashcroft, Billie Whitelaw, Madeleine Renaud e, como não poderia faltar, Fernanda Montenegro, para quem “Dias felizes é um dos textos mais bonitos que já encenei na minha vida”.
Na montagem que os gaúchos poderão conferir hoje e amanhã, com produção da companhia italiana Change Perfoming Arts and CRT Artificio, Bob Wilson dirige a atriz Adriana Asti, de 77 anos, estrela de diretores como Visconti, Pasolini, Bertolucci e Luis Buñuel. Não é a primeira vez que a Winnie de Asti se apresenta em terras brasileiras. Antes de Porto Alegre, a montagem integrou a programação do 10ª Festival de Palco e Rua de Belo Horizonte, no mês passado, e que o TEMPO CONTÍNUO teve o prazer de assistir. Em Belo Horizonte, Asti declarou: “Wilson é um diretor absolutamente fantástico e visionário. Quando trabalhamos com ele, a gente entra no seu mundo, um mundo pleno de imagens e invenções que ultrapassam o próprio texto e os atores. Ele é um diretor de corpo, de mente, de objeto, de tudo. Ele se preocupa em criar um mundo cheio de luz e sua visão de iluminação é excelente.”
Neste espetáculo, a combinação entre Beckett e Wilson resulta em uma experiência cênica singular: à (aparente) imobilidade da personagem principal – que, no primeiro ato está enterrada até a cintura e no segundo ato só tem a cabeça descoberta – soma-se o minimalismo gestual do encenador americano. Esta junção faz com que público se depare com quadros estáticos, “pinturas e esculturas vivas” nas quais sobressaem os movimentos de luz, as expressões faciais de Asti e também o peso existencial que o texto tematiza. Sem dúvida alguma, não é uma experiência de teatro trivial. Grande parte do público de BH não aguentou a barra e, do primeiro para o segundo ato, houve uma evasão significativa. Portanto, prepare-se!
Além do espetáculo, Bob Wilson estará presente em Porto Alegre com a exposição Voom Portraits, um conjunto de retratos de celebridades que esteve no Sesc Pinheiros, São Paulo, em janeiro de 2009 e que será exibida novamente no Santander Cultural. Os retratos de Wilson, no entanto, não são fotográficos, mas videográficos.
Utilizando uma tecnologia de alta definição de imagens, o encenador americano criou video-retratos de alguns artistas e celebridades (Brad Pitt, Alan Cumming e Steve Buscemi), e também de pessoas que não trabalham no Show Bussiness, como é o caso do mecânico Norman Paul Fleming. Em cada vídeo-retrato, aparece um único indivíduo posicionado frontalmente para a câmera, executando gestos mínimos e coreografados de modo bem preciso. Nestes vídeo-retratos, Wilson cria um contexto ficcional no qual as figuras exibidas protagonizam. O melhor exemplo talvez seja o de Winona Ryder, que aparece soterrada de terra até os ombros, tal como a personagem Winnie.
Nestes dois trabalhos de Wilson, é interessante notar a tranversalidade de seus procedimentos estéticos, uma preocupação presente em todas as obras do artista múltiplo que Bob Wilson é. De fato, o norte americano, que está desenvolvendo um espetáculo com Marina Abramovic, é a personificação perfeita das intersecções e dos diálogos entre as diversas manifestações artísticas. Nada mais inspirador e estimulante para nós, do TEMPO_CONTÍNUO, neste mês de pura permeabilidade.