Enquanto a Bienal de São Paulo não chega, o TEMPO_CONTÍNUO acompanhou a discreta Bienal de Berlim, que completou sua sexta edição neste mês de agosto, com apropriação de espaços ousados e curadoria com proposta abertamente política.
Pintura de Adolph Menzel, ponto de partida para a curadoria da Bienal
O tílulo da exposição deste ano foi “what is waiting out there” (o que nos espera lá fora) e aponta para o olhar de dentro da arte em direção à realidade que a rodeia, uma realidade que simples modelos de entendimento do mundo já não são suficientes para descrever. Segundo o texto da Bienal, “desenvolvimentos tecnológicos, assim como a crise econômica, política e social do presente criaram rachaduras na realidade, ampliaram a distância entre o mundo que discutimos e o mundo que realmente está ao nosso redor“. Dentro deste contexto, os trabalhos selecionados rejeitam a tendência de negar a realidade através de um discurso imanente à arte ou sobre problemas formais. Eles contrariam essa posição insistindo em uma visão rigorosa do presente e da nossa realidade.
O ponto de partida para os artistas contemporâneos da exposição são os desenhos e guaches do Realista do século XIX Adolph Menzel. Selecionamos alguns deles na galeria abaixo, destacando a característica de cenas inabituais que o artista pintava nas últimas décadas de 1800.
Com essa introdução coletamos, nos dois vídeos abaixo, trabalhos que se aproximam da realidade proposta de diferentes formas:
Seguindo a ordem em que são apresentados, Adrian Lohmüller recria em Das haus bleibt still (A casa permanece parada) os encanamentos de cobre do interior de uma casa, que despejam, gota a gota, um tanque de ácido sobre um bloco de gelo seco. O gelo escorre e altera a paisagem ao redor de um colchão, cama e travesseiro. A transição do trabalho lida constantemente com o tempo que se leva para alterar uma determinada situação, a mudança não é perceptível durante somente uma visita ao trabalho, criando um linha histórica da própria obra dentro do espaço – o que um dia ela foi e o que um dia se tornará. A realidade, nesse aspecto, vem como o interior de um quarto, um espaço pessoal dentro do contexto de extensão do tempo.
Enquanto isso, a artista Nilbar Güreş, de Istambul, desloca a realidade da Turquia (que tem profundas relações de imigração com a Alemanha) e cria universos oníricos e leva sua própria cultura a um lugar desconhecido (ou talvez inexplorado) através de situações atípicas. A tradução exata do título Çirçir seria “Descaroçamento” – talvez apontando para essa descentralização cultural.
Finalizando esta primeira parte, Mohamed Bourouissa amplia imagens digitais de guerra capturadas em baixa qualidade que se tornam partículas poéticas de Temps Morts(Tempos Mortos), o título da série. As cenas simples recortadas pelo olhar de Bourouissa remetem diretamente ao tempo que Adolph Menzel outrora capturava em suas pinturas. A estática extraída de uma convulsão violenta – a guerra – pode ser encarada como uma relíquia expressiva de um tempo que existe como qualquer outro: a panela na mesa, o arame farpado, um homem prostrado sobre a cama…
Em I Can Sing, de Ferhat Özgür, mulheres turcas dublam a música Halellujah, de Jeff Buckley, evidenciando mais uma vez (e com bastante humor) o deslocamento cultural, a necessidade de se entrelaçar realidades distintas apontando conceitos pré-estabelecidos – como aqui há a manifestação de identidades religiosas e do sentimentalismo.
Em Dejá- vù & Paranoia, Sokol Peçi e Pleurad Xhafa acompanham a travessia de uma escultura feita durante uma viagem de trem, exibindo em seis televisores a trajetória e expondo ao lado a mala da viagem como pedestal para a escultura final – o rosto de um homem. A característica de misturar linguagens aparece como um forte elemento neste trabalho de processo e resultado. O deslocamento visto nas outras obras também está presente na escultura feita em movimento e como a própria travessia interfere na impressão de um rosto.
Andrey Kuzkin é o agente performático dentro da Bienal, mantendo-se durante seis horas exposto ele próprio como obra e trabalhando com a falência dos membros do corpo através das doenças (escritas sobre a pele) que degeneram cada parte específica do corpo.
Como resumo da vasta quantidade de vídeo-arte contida na exposição, selecionamos Echo, trabalho de Nic Evron e Beyond Guilt #1, de Ruti Sela e Maayan Amir, ambos com questões política – no primeiro uma manifestação que se intensifica e fica mais nítida também visualmente, no segundo a manifestação sexual dos israelenses conectados à guerra – assim como os outros trabalhos presentes na Bienal, que expunham diferentes realidades atingidas pela guerra ou por questões políticas.
Ao final, resta ao público digerir uma quantidade extensa de vídeos quase sempre com pensamentos e mensagens políticas e, porque não dizer, panfletárias. Apesar desta recorrência, a Bienal consegue criar tensão ao tecer trabalhos distintos e se arrisca ao volta a uma arte abertamente política, que abraça causas específicas e se propõe a questionar, tanto de maneira objetiva quanto abstrata, a realidade que parece estar a nossa volta.