Amigos, preparem-se. Eis que chega o início de um novo TEMPO: na última semana de maio, a cidade do Rio de Janeiro será o palco do segundo TEMPO_FESTIVAL. Serão oito dias de apresentações, performances e pensamentos produzidos por artistas nacionais e internacionais. Dentre eles, estão a atriz Juliana Galdino e o diretor Roberto Alvim que trarão para o Rio o espetáculo Comunicação a uma Academia, encenado a partir do texto homônimo de Franz Kafka.
No espetáculo, Galdino interpreta Pedro Vermelho, um macaco que, capturado e enjaulado, decide, como saída ao confinamento imposto pelos seres humanos, aprender a se comportar como tal, a ponto de ser capaz de realizar um relatório em que descreve a sua trajetória. Trata-se de um texto contundente de Kafka, encenado de maneira não menos instigante. Uma prova disso é a indicação de Galdino ao Prêmio Shell de 2009, por sua incrível interpretação do símio, que pode ser conferida no vídeo abaixo, onde o macaco concede uma entrevista a Armando Antenore, da revista BRAVO:
O TEMPO foi à São Paulo visitar o Club Noir, a sede da Cia de Alvim e Galdino, que também é um espaço eclético temperado com uma livraria, um café-bar e um teatro de 50 lugares. Confira agora a entrevista que Roberto Alvim concedeu ao TEMPO.
TEMPO FESTIVAL: O espetáculo “Comunicação a uma academia” parte de um texto literário. Quais são as possíveis relações entre Teatro e Literatura?
ROBERTO ALVIM: Preferimos, de modo geral, trabalhar com dramaturgos, e não com adaptações de textos escritos em outros formatos. Porque existem muitas vozes singulares no panorama da produção dramatúrgica contemporânea internacional, muitos (e ainda inéditos em nosso país) autores que estão ampliando o campo do teatro através da criação de Poéticas fundantes. Dramaturgias que reconstroem o mundo sobre o palco, segundo outras regras (distintas do modus operandi cotidiano), com manipulações insuspeitadas da linguagem que apontam para outras idéias acerca da condição humana, do tempo, do espaço. Neste caso específico (do espetáculo COMUNICAÇÃO A UMA ACADEMIA), não foi necessário realizar nenhum tipo de adaptação: o texto de Kafka foi escrito em formato monológico. Trata-se de um relato, um testemunho, dado por um macaco que se tornou homem, acerca do processo de sua transformação. E trata-se, sobretudo, de uma obra-prima, que dialoga com extrema contundência com questões urgentes da contemporaneidade. Dito isto, o teatro, como campo de ampliação do imaginário, possui infinitos recursos para responder a qualquer obra – inclusive a escrituras eminentemente literárias.
TEMPO: Como foi o processo de criação deste espetáculo? Qual foi a motivação inicial? Quanto tempo durou o período de ensaios?
ALVIM: Quando travamos contato com o texto, o que se deu foi um convite incontornável. A obra é uma metáfora terrível de toda forma de condicionamento, colonialismo, adestramento, aculturação; a escritura de Kafka suscita a reflexão acerca de questões políticas gravíssimas em nossa era globalizada. Sem didatismos ou explicações, mas absolutamente compreensível, COMUNICAÇÃO A UMA ACADEMIA desenha o processo através do qual alguém se torna “humano”. Isto é, o processo que leva um indivíduo (ou mesmo todo um povo) a abraçar voluntariamente uma idéia hegemônica relativa a o que é ser um ser humano, sob o risco de exclusão da comunidade global. Esboçamos o projeto, ganhamos um Edital (o Vitrine Cultural), e conseguimos os recursos necessários à montagem do espetáculo. Tivemos apenas um mês de ensaios antes da estréia; mas o fato é que a peça não foi criada em um mês: ela é o resultado da vida inteira da Juliana como atriz, e da minha como diretor. Não montamos “espetáculos”: procuramos desenvolver um pensamento em arte, que encontra sua tradução, sua concretização em nossas obras. Depois da estréia, ficamos 1 ano em cartaz em São Paulo, participamos de uma série de Festivais, e estamos circulando pelo Brasil com a peça (graças ao patrocínio da Petrobrás – Br).
TEMPO: Qual é a importância do tempo em seus processos criativos? Como você o aborda?
ALVIM: Em nosso trabalho, abordamos o tempo de modo muito específico. Segundo a Teoria da Relatividade, se você está imóvel no espaço, então você está muito veloz no tempo. Quando você se move no espaço, diminui sua velocidade no tempo. Um dos fundamentos de nossa pesquisa é a imobilidade; em nossas peças, quase não há movimentos, gestos, é tudo reduzido a uma espécie de minimalismo radical. Isto nos leva a outro de nossos esteios: a capacidade da voz humana, através das palavras, construir o real sobre o palco (e “semear”, como rizomas, imagens e sensações no imaginário do espectador). Assim, ficamos imóveis para que a velocidade no tempo seja a maior possível: em nossas peças, o movimento se dá no tempo, não no espaço.
O trânsito por instâncias temporais é vertiginoso: esta é, acreditamos, nossa contribuição para uma ampliação do working space do teatro contemporâneo.
TEMPO: Como surgiu o Club Noir? Quais são os desafios e as perspectivas para este teatro-bar-centro cultural? Quais são as novidades a curto prazo?
ALVIM: A companhia foi criada em 2006 por mim e pela Juliana Galdino. Me mudei do Rio para São Paulo, e ela se desligou do trabalho que vinha fazendo há quase dez anos com o Antunes Filho. Criamos o CLUB NOIR com o objetivo de encenarmos fundamentalmente peças de autores contemporâneos, e de pesquisarmos novos paradigmas de encenação/atuação. Em 2008, após realizarmos 2 espetáculos de grande reverberação em São Paulo (ANÁTEMA, de minha autoria, e HOMEM SEM RUMO, do autor norueguês Arne Lygre), ganhamos uma verba do Programa de Fomento e construímos o nosso teatro-sede (localizado na Rua Augusta – 331, Consolação). Inauguramos o espaço em novembro de 2008, com a estréia de O QUARTO, de Harold Pinter, espetáculo com o qual vencemos o Prêmio BRAVO! Prime de Melhor Espetáculo Teatral do Ano em São Paulo. Desde então já estreamos uma série de outras obras em nossa sede, além de ministrarmos Oficinas permanentes de Atuação e Dramaturgia. Além do Teatro (com capacidade para 50 pessoas), temos um foyer com bar, livraria especializada em livros de Arte e Filosofia, onde também acontecem exposições de pintores e fotógrafos, além de shows de jazz (de quinta a domingo). Para este ano de 2010, estamos em cartaz com H.A.M.L.E.T. (texto meu e direção da Juliana), e vamos estrear em junho o projeto TRÍPTICO [Richard Maxwell]: BURGER KING / CASA / O FIM DA REALIDADE, no qual eu dirijo 3 peças do autor norte-americano Richard Maxwell, uma das vozes mais originais da cena contemporânea. Atualmente, temos 12 atores trabalhando continuamente nas produções da companhia. Nosso principal desafio é manter esta estrutura estável, de modo a permitir uma ampliação constante de nosso trabalho; existem diversas questões, como o problema da sustentabilidade financeira, mas lutamos diariamente para manter nossa obra em um terreno de absoluta radicalidade, sem concessões ao senso-comum, e ainda assim conseguirmos dialogar com o público que nos sustenta. Temos tido êxito até agora: praticamente todas as sessões de nossas peças tem tido casa lotada, o que nos dá a certeza de que as obras alcançam uma reverberação e um diálogo com a cidade.