Abaixo, o texto assinado pelo coletivo de criadores de “Noites Brancas” sobre o espetáculo – “Só pra dar água na boca”, brinca Trémouroux:
“Da vontade de dar mais uma vida e mais uma voz a esse narrador, a essa Nástienka e sua avó, a esse inquilino e a todos os habitantes que povoam Noites Brancas surgiu este espetáculo. Não, porém, uma voz e uma vida que pretendessem revelar a face oculta das personagens e o verdadeiro significado de suas histórias. A isso, renunciamos de início. Afinal, da leitura cuidadosa do texto verifica-se precisamente que esse significado permanecerá para sempre oculto – como deve ocorrer com todo fato narrado, aliás. O que o narrador de Dostoiévski conta é o relato, não de um fato, mas da própria narração. Retomar o acontecimento mais significativo de sua vida, quinze anos depois, e fornecer-lhe um sentido, dando as ênfases necessárias a cada fala, a cada silêncio, a cada gesto: é esse o trabalho da nossa personagem. E, com isso, ela nos induz ao mesmo tempo a indagar: que necessidade nos leva a narrar? O que é um relato? Que experiências estão envolvidas no ato de contar algo para alguém? Até que ponto somos capazes de transmitir essas experiências por meio da linguagem? E, por outro lado, qual é a relação entre a narração e o trabalho do ator? Esse é o fio condutor do nosso espetáculo. Por meio dele, constatamos que estamos sempre em meio a narrativas. Mais do que isso: somos um entrecruzamento de narrativas, de histórias fictícias, de reconstruções – talvez não menos do que o nosso narrador e as outras personagens envolvidas em Noites Brancas.”