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MÚSICA POLISENSORIAL – ENTREVISTA LÖIS LANCASTER

Löis é baixista, trombonista ocasional e foi vocalista do Zumbi do Mato, banda mítica do underground carioca. Como se não bastasse também é professor de literatura e estética. Sempre fui muito fã do Löis. Com mais de vinte anos de estrada, ele já tocou e se aventurou incansavelmente por estranhas praças, se jogou em tantas bandas e projetos e ainda tem fôlego para uma empreitada solo.

A conversa aconteceu no apê de Sidney Honigsztejn, amigo e parceiro musical de longa data, lugar onde um time de veteranos costuma se encontrar para ouvir e comentar a boa música. Apenas mais um capítulo sendo escrito em busca do microtom perfeito

Haroldo Mourão – Você postou há alguns dias um compositor chamado Ivan Wyschnegradsky. Ouvi e gostei muito. Como você descobriu esse cara?

Löis Lancaster – Entrei na comunidade “Xenarmônico” do Facebook e o pessoal me apresentou. Eu acho até legal falar um pouco sobre isso porque é a minha nova aventura nesse campo de composição. É a música microtonal. O meu interesse é criar novas escalas que ainda não estão com o campo harmônico mapeado.

Conheci um cara nessa comunidade que é luthier, faz braços de guitarra e até retrasteja. Mandei pra ele um braço de guitarra, eu nem toco guitarra, toco baixo, mas pedi pra ele retrastejar. Vou pegar esse braço, colocar em uma guitarra e deixar com alguns guitarristas que se propuserem a fazer alguma música com essa guitarra, em parceria comigo. Aí eu vou fazer um álbum.

Haroldo Mourão – Esse é o teu próximo projeto?

Löis Lancaster – É. Vou chamar de “Alguns Amigos e uma Guitarra Viajante”, uma coisa assim.

Haroldo Mourão – E como começa a sua história com a banda Zumbi do Mato?
Löis Lancaster – Eu entrei na banda em 1992 e a gente tocou num festival chamado “Cachaça in Concert” e o ingresso era um litro de cachaça. Daí você imagina como foi o final desse festival. Eu saí da banda e depois voltei quando a coisa tava mais profissa, digamos. Daí eu fui o vocalista do Zumbi até o final.

Haroldo Mourão – Pra quem nunca viu os shows do Zumbi do Mato, como era?

Löis Lancaster – Cara, tudo poderia acontecer. Eu já desci do palco e liberei o microfone pra galera cantar, isso sem contar que a gente já tocou nos lugares mais malucos que você pode imaginar. Já tocamos no Cinquentinha em Irajá, no Canil em Mesquita.

E esse papo de que o público é apático, a gente nunca experimentou isso. A plateia do Zumbi era sempre participativa. Sabiam todas as letras e uma vez jogaram ratos no palco.

Haroldo Mourão – De verdade?

Löis Lancaster – Não. Eu pensei que eram de verdade. Mas eram esculpidos em bombril. Aí ateavam fogo e jogavam no palco. Porque tem a música “O Espírito do Rato“: “Bate bate bate / com a pontinha do rodo / no cocuruto dele / pra ver se tá mesmo morto”.

 

Eram shows interativos. Mesmo que o lugar não estivesse preparado pra receber a gente, os fãs do Zumbi sempre fizeram coisas muito loucas. Pro bem ou pro mal. Já quiseram enfiar um copo de refrigerante no meu trombone. O público nunca era indiferente.

Haroldo Mourão – Como é que é a tua brincadeira com as letras das músicas?

Löis Lancaster – Eu fui muito influenciado pelo Zé Felipe (baixista do Zumbi). Ele me ensinou que com poucas palavras você chegar num lugar completamente absurdo. A contundência tem muito a ver com a velocidade com que a palavra vira uma imagem na tua cabeça. Uma coisa é você falar: “Hercúleo poder de apenas poder enxergar abro a mão e descubro porque vivo e chegar a razão parece ser que ninguém é exclusivo ao mesmo tempo o uno é absoluto…”. Isso é uma coisa. Agora: “Dois garotos estavam andando de lado e um virou gordão.” Isso é foda! Esse é um verso do Zé na música “Finja que não está ouvindo isso”. Aliás, esse nome também é foda, né? O título é um lugar importante nas músicas do Zumbi.

Haroldo Mourão – E você ainda tem uma carreira solo, né?

Löis Lancaster – Tenho. E pretendo lançar uns três discos ainda esse ano. Vamos ver se isso vai ser possível. Dois deles totalmente microtonais. Um mais alegre e um mais…gótico.

Ah, um pensamento que eu queria colocar! Sobre o brega. Tem gente que gosta de brega. Eu não gosto de brega. O que eu quero dizer é o seguinte, não há problema em gostar ou não gostar de brega. Tem gente que gosta pra dizer “Eu me rebelo contra esse bom gosto.” Eu detesto essa ideia de que a pessoa ouça uma coisa não porque gosta, mas pra fazer gênero. Mas eu também não faço isso com a música que eu gosto. E que, por acaso, não é brega. Então, pô, eu acho que o chique é o meu brega.

Haroldo Mourão – Löis, você gosta de Oswaldo Montenegro. Mas quais aspectos da obra dele?

Löis Lancaster – Pra mim ele não é brega. A questão é que ele se divulga tipo um menestrel da idade média, meio como o Zumbi. Ele fazia isso com as músicas que eram tocadas nas peças dele. Isso é uma coisa. A outra coisa é a pretensão dele de fazer esses espetáculos meio “Hair”. Eu acho foda!

Todo mundo que é pretensioso sabe que, se uma ideia aparece, tem que ser realizada por intermédio de quem teve a ideia. Se ele que recebeu a coisa então ele que vai ter que fazer.

Aqui no Brasil fica essa culpa ibérico-cristã de que não pode ser pretensioso. Pô, quem foi mais pretensioso que o Pete Townsend?

O artista que reclama que não consegue chocar mais ninguém, não consegue mais chocar no meio dele. Mas vai fazer o que ele faz no Mercadão de Madureira! É evidente que vai chocar! Imagina, você pega uma Lona Cultural. Aí você vai tocar uma peça do John Cage. Você chega lá, a plateia pagou e tá esperando. Você chega e interpreta quatro minutos e vinte de silêncio. As pessoas vão querer te degolar! Choca pra caralho! (risos)

Acho que o americano e o inglês aceitam melhor essa coisa do gênio incompreendido. Aqui ficam sempre baixando a tua bola. “Quem é você pra achar que pode fazer tal e tal coisa?”

Sidney Honigsztejn – O que você aprendeu vindo da Tijuca?

Löis Lancaster – Eu descobri que o universo inteiro é uma Tijuca. A gente nunca sabe qual é a nossa importância.

Sidney Honigsztejn – Eu vejo essa caretice, não só na Tijuca, mas em outros lugares do Rio também.

Löis Lancaster – O Rio é a Tijuca do Brasil!

Haroldo Mourão – A Tijuca me parece um bairro ressentido, né? O que era cinema virou igreja. Aquela praça é quente pra caralho.

Sidney Honigsztejn – Ainda tem a Barra da Tijuca.

Haroldo Mourão – A Barra da Tijuca é a Tijuca da Barra.

Löis Lancaster – A Tijuca é uma barra. (risos)

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