Assistir pela primeira vez um espetáculo de Romeo Castellucci é, no mínimo, intrigante. Sou daquelas que viu os vídeos dos seus espetáculos na internet, vibrando com as suas propostas, entusiasmando-me com a sua linguagem. O seu trabalho é uma referência no meu trabalho, um marco nas artes performativas.
O poder da imagem ou a sua destruição, o poder do discurso ou o seu ruído, o poder da dramaturgia linear ou a criação de códigos, o poder da decadência ou da existência humana.
O trabalho do Romeo Castellucci é um ato iconoclasta. O mais brilhante é a capacidade de criação da imagem, para a sua transformação. A sua relação radical com a imagem, com o corpo, com a presença, com a palavra – os seus trabalhos exaltam a força simbólica do Teatro; mais do que destruir propõem uma transformação pelo ato performativo.
O espetáculo começa com um tempo real, com teatro, com um ritmo possível, com um lugar que nos identificamos imediatamente e que, ao mesmo tempo, já nos prepara para um soco no estômago. Nessa, digamos, primeira parte da peça, somos conduzidos a uma relação, “aquecidos” para uma realidade cruel – A NOSSA. Aos poucos, desenhando uma encenação branca, já não precisamos desse tempo real. O código foi criado e já estamos todos no fundo da cadeira, sem respirar muito bem e dando conta como tudo está errado, e como a imagem do rosto do filho de Deus deveria e não deveria estar ali.
A força da imagem e o trabalho plástico audiovisual são impressionantemente bem desenhados. Não existe muito a dizer sobre: simplesmente uma linguagem necessária hoje. Chega de discursos e de hierarquias cênicas: o mundo visual é muito mais interessante do que qualquer palavra panfletária. A encenação de Castellucci é sobre a complexidade do mundo de hoje, onde as referências religiosas, políticas e a História nos matam, nos pesam; temos de nos confrontar com isso, sem ter medo de ser moralistas ou tendenciosos: a realidade apresentada é a realidade.
YOU ARE (not) MY SHEPHERD.
VOCÊ (não) É O MEU PASTOR.
*A 1ª Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, inaugura um recorte curatorial contundente, com espetáculos fundamentais produzidos nos últimos anos. O evento é entusiasmante e necessário. Pena que a própria produção do festival duvidou disso: no 1º dia, na 1ª sessão, cerca de 300 convidados com reservas ficaram na porta – overbooking no Teatro é uma prova do que se precisa ver hoje!!