As mulheres precisam estar nuas para entrar no Museum?
A pergunta acima estampa o poster criado pelas Guerrilla Girls, exibido em duas exposições européias, elles@centrepompidou, em Paris, e She is a Femme Fatale, em Lisboa. Em comum, as duas exibições apresentam trabalhos realizados exclusivamente por mulheres ao longo dos séculos XX e XXI. Os eventos se reforçam e se complementam, no sentido de sublinhar o decisivo papel que As artistas, com a maiúsculo, possuem no desenvolvimento de e na procura por novos caminhos e procedimentos no mundo da arte.
Guerrilla Girls é o nome cunhado, em 1985, por um grupo anônimo de artistas feministas que concebem posteres, cartazes, livros, intervenções e performances que questionam direta e explicitamente o sistema, a história e o mercado de arte mundiais, controlados tradicionalmente por figuras masculinas (É fácil verificar isso, por exemplo, quando mencionados os grandes colecionadores de arte: Charles Saatchi, Gilberto Chateaubriand, Leo Castelli, Joe Berardo etc.). Ao lado das Guerrilla Girls, um conjunto significativo de obras produzidas por mulheres artistas evidencia nitidamente a fertilidade e a criatividade femininas nos últimos 130 anos.
Ocupando um andar inteiro do Centre Pompidou, em Paris, elle@centrepompidou reúne uma série heterogênea de trabalhos produzidos por artistas de diferentes nacionalidades.
É possível encontrar, por exemplo, esculturas da francesa Louise Bourgeois e da alemã Eva Hesse (Untitled – seven poles, 1970); vídeos da cubana Ana Mendieta (Untitled – chicken piece shot #2, 1972), das iugoslavas Marina Abramovic (Freeing the body, de 1976) e Sanja Ivekovic (Personal Cuts, de 1982, em que a artista recorta, com uma tesoura, partes de uma meia-calça que cobre o seu rosto), da indiana Sonia Khurana (Bird, 2000), da israelense Sigalit Landau (Barbed Hula, 2001), e da americana Joan Jonas (Left Side, Right Side, 1972); video-instalações da americana Nan Goldin (o belo Heartbeat, com música cantada por Bjork, de 2000-2001) e da suíça Pipilotti Rist (o vertiginoso e poético A la bele étoile, de 2007); instalações da francesa Annette Messager (Les Piques, 1992-1993); pinturas da francesa Niki de Saint Phalle (Tir, 1961); fotografias da francesa Valerie Belin (Untitled 7, 2003) e da holandesa Rineke Dijkstra (Hilton Head Island, S.C., USA, June 24, 1992, 1992); cinema experimental da finlandesa Eija-Liisa Athila (Tuuli/The Wind, 2001-2002) e da francesa Dominique Gonzalez-Foerster (Shortstories, sendo duas delas gravadas no Brasil) , além de trabalhos da americana Jenny Holzer (Inflammatory Essays, 1979-1984), da libanesa Mona Hatoum (Corps Étranger, 1994) e das francesas Orlan (Action ORLAN-corps. MesuRage, 1997) e Sophie Calle (Exquisite Pain, 1984-2003).
A menção a apenas alguns trabalhos exibidos no Beaubourg (assim como é chamado o Pompidou pelos franceses) já evidencia a dimensão da exposição. Trata-se praticamente de uma fonte inesgotável de trabalhos produzidos em diversos suportes artísticos e com preocupações e temáticas diversificados.
Em Lisboa, no Centro Cultural Belém, She is a Femme Fatale apropria-se de um fragmento da música homônima do Velvet Undergorund para dar o tom da exposição:
“Here she comes, you better watch your step
She’s going to break your heart in two, it’s true”
Mais sintética que a exposição em Paris, She is a Femme Fatale é composta por obras da coleção Berardo, incluindo algumas aquisições recentes. Há, entretanto, uma sintonia latente entre as duas exposições, confirmada por exemplo, pelas artistas que aparecem em ambas as exibições.
Tratando de temas como identidade, política, sexualidade, sistema da arte, gênero e representação, She is a Femme Fatale conta também com trabalhos de Nan Goldin, Louise Bourgeois, Guerrila Girls, Ana Mendieta, dentre outras. Além delas, destacam-se as fotografias das americanas Cindy Sherman e Francesca Woodman, o vídeo Olympia da coreógrafa portuguesa Vera Mantero e uma pintura de Paula Rego.
E quanto às mulheres brasileiras? Será que não há lugar para elas no panorama artístico feminino internacional?
Nacionalistas, acalmem-se. O Brasil está muito bem representado nas duas exposições por trabalhos como o Bicho, de Lygia Clark, o vídeo Sem Título (Feijão), de Sonia Andrade, a vídeo-instalação Espelho Diário, de Rosangela Rennó e a pintura-objeto de Adriana Varejão.
Pelos trabalhos aqui citados, nota-se que ambas exposições tratam de afirmar a transformação do papel da mulher nas artes, agora não mais como musas inspiradoras de artistas machos, mas como criadoras autônomas e independentes. Com um foco especial para a produção dos anos 60-70 e para a arte contemporânea, She is a Femme Fatale e elle@centrepompidou sedimentam as conquistas femininas, tanto em revoluções socio-políticas quanto no que se refere a investigação de novos conceitos, temas e subjetividades. Perto delas, os homens são todos little boys, como já cantava Nico, a frente do Velvet Underground.