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OS 3 (OU 4) TEMPOS DE MICHEL MELAMED

A curiosidade do polivalente Michel Melamed é algo que espanta. Dentre a diversidade de seus trabalhos, um elemento atravessa as obras: a incessante busca por novos caminhos da arte. Melamed é poeta e participou da fundação e coordenação do projeto CEP 20.000 (Centro de Experimentação Poética do Rio de Janeiro). No teatro, escreveu, atuou e dirigiu a “Trilogia brasileira”, composta pelos espetáculos “Regurgitofagia”, “Dinheiro grátis” e “Homemúsica”, êxitos de público e crítica no Brasil e no exterior (Nova York, Paris, Berlim, etc.), além de autor dos livros homônimos. Melamed integra ainda o grupo “The Internationalists” sediado em Nova York. Escreve, atua, apresenta e/ou dirige programas de TV há mais de dez anos, sendo os seus últimos trabalhos o programa “Recorte cultural”, da TV Brasil (criação, direção e apresentação – 2005-2008), a minissérie “Capitu”, da Rede Globo (atuação – 2008), e a série “Celebridades do Brasil”, no Canal Brasil (roteiro e direção 2009). 

Abaixo, uma entrevista com o ator-poeta-músico-apresentador. 

1)      Conte o processo de criação da Trilogia.
Trata-se de uma Trilogia porque todos os espetáculos foram desenvolvidos sobre os seguintes conceitos: a pesquisa de linguagem quanto aos limites da participação do público no espetáculo, então a contracenação entre ator e “espectator”, autor e “espectautor”;  a integração de linguagens artísticas (teatro, performance, música, poesia falada, tecnologia, stand-up comedy, etc.); e a afirmação do teatro e da obra de arte como o espaço por excelência do livre-pensar, então sua função política… Mas cada espetáculo teve um processo bem diferente. Essa é a graça e o desespero, né? Porém, sendo um pouco mais rigoroso na resposta, vejo que os três começaram na página em branco, com os textos e idéias. Mas é na sala de ensaio que o encantamento acontece…

2)      Regurgitofagia já foi escrita tendo em vista uma continuação?
Não e mesmo Regurgitofagia surgiu primeiro como livro. Depois, através da Bolsa Rioarte é que o espetáculo começou a nascer (acho importante lembrar que esta Bolsa não existe mais assim como a Vitae, enfim, o que acaba empobrecendo a produção que fica confinada a um só modelo de realização, quando muito trabalhos precisam do tempo da pesquisa e não só o do patrocínio…). Depois de alguns meses em cartaz com o Regurgitofagia, sentei-me para checar os alfarrábios e percebi que tinha algumas idéias do que se convencionou chamar de monólogos e que justamente sobre isso é que elas se insurgiam: espetáculos apresentados com um só ator, mas em diálogo constante com o público. Ninguém chama voz e violão de monólogo. O tripé conceitual já estava visível ali. Daí selecionei duas das idéias, convidei as pessoas queridas e nasceu a trilogia.

3)      O que mudou na sua vida desde aquela estréia em 2004?
Tudo. Seja porque a mudança é uma justa semente da saúde, seja porque apesar de já trabalhar como artista há alguns anos, Regurgitofagia foi um trabalho que alcançou certa repercussão, as pessoas passaram a me conhecer e, principalmente, a consolidação de idéias e parcerias (Bianca de Felippes, Alessandra Colasanti, Adriana Ortiz, Luiza Marcier e Estúdio Radiográfico…).

4)      Os outros dois espetáculos, na sua opinião, ficaram a altura do primeiro?
Não sou funcionário, o compromisso é exclusivamente com a criação de um trabalho artístico. Na estréia de todos eles, o sentimento era de tocar o bumbo na praça e dizer venham todos. Eles são exatamente o que queriamos fazer. E apaixonadamente. Agora, é natural que as pessoas tenham as suas preferências, mas este é um segundo momento. Não fazemos o trabalho premeditando se o público vai gostar ou não, como se fosse um produto na prateleira do supermercado, o que não significa não querer que pessoas gostem, ao contrário, depois de pronto o sonho é encontrar eco, afeto, que as pessoas se identifiquem, se encantem também. E tem a questão da crítica, que apesar de certas atitudes não muito dignas, essa coisa de ficar batendo nas pessoas, mas, enfim, me interessa. Acredito na reflexão aprofundada, criativa, que multiplica e revela a obra.

5)      O aumento da porção musical é uma tendência definitiva no seu trabalho?
Tendência definitiva? Olha que eu volto pra primeira pergunta… Mas o próximo projeto é só musical sim. Estamos gravando um CD (produzido pelo Lucas Marcier) e faremos o show. Imagino o Homemúsica como uma ponte entre estes universos, a pesquisa era sobre isso mesmo, da palavra falada para a palavra cantada. Então me reencontrei com a música e os músicos. Lembro quando menino passar dias inteiros inventando músicas e como ficava feliz… É muito curioso no “Homemúsica” viver esta experiência das duas cenas, a teatral com tantos conflitos e a musical de congraçamento, festa. Mas não quer dizer que o conflito seja ruim, ao contrário, é a condição primeira mesmo. Então o teatro é uma necessidade. Quero fazer um novo trabalho com outros atores em cena.

6)      O que levou a reunir este trabalho nesta temporada?
É uma idéia que sempre esteve presente, na conclusão da Trilogia apresentar todos os espetáculos em sequência. Então surgiu o convite do SESC… Também me soa como uma conclusão e essa chance de poder se olhar através deles, que se alternam entre espelhos e quadros, daí se perceber tão diferente, pode se olhar nos olhos…

7)      Como você sente a reação do público? Imagino que devam existir fãs de longa estrada, aqueles que você inclusive já conhece e reconhece na platéia..
Essa é uma das coisas que mais me tocou nesta temporada da Trilogia. Apesar de ser fã de muitas pessoas e artistas, sempre tive certa desconfiança com esta idéia, até porque é muito comum que qualquer pessoa que apareça na Tv tenha alguém pedindo para tirar um foto. Mas dessa vez senti completamente diferente. O público dos espetáculos são pessoas realmente interessadas no trabalho, que conhecem, gostam e discutem. Conversei com muita gente sobre arte, o Brasil… Enfim, fiquei muito tocado com a delicadeza e a inteligência dessas pessoas. Foi uma grande surpresa a recepção que tivemos. Me sinto grato e orgulhoso.

8)      A participação dos espectadores é fundamental, não? Qual a que você guarda com mais carinho e qual realmente te incomodou?
Sim, a participação do espectador é fundamental. Mas agora que a Trilogia se concluiu, meu interesse mudou e vejo isto de outra forma. A participação ativa não é mais ou menos fundamental que qualquer outra. A questão é que a fruição pode se dar de várias maneiras e como no “Princípio de Heisenberg” é o observador que muda a obra, é o espectador com a sua formação, sua disponibilidade afetiva, intelectual, que constrói aquilo ali. No final, acho que é uma pororoca de criatividades.

9)      Como foi apresentar estes espetáculos no exterior?
Foram experiências maravilhosas, transformadoras, um grande aprendizado. Nova York particularmente foi uma cidade que acolheu os trabalhos de forma generosa e há quatro anos que fazemos coisas por lá. Mas não acredito, ao menos para este trabalho da Trilogia, alguma diferença prévia entre as cidades. Quer dizer, você pode fazer um espetáculo de puríssima magia ou incinerante frieza, seja em Nova York ou Nova Iguaçu. Como é teatro, ritual, a coisa toda da presentificação, tudo depende da alquimia das noites.

10)   Existe uma possível tetralogia no horizonte?
Uma quarta parte para este trabalho? Não… Quer dizer, de alguma forma já aconteceu. Apresentamos, ao invés do “Dinheiro Grátis” que era a segunda parte, o “Anti-Dinheiro Grátis”, mas vejo mais como uma coda, epílogo da Trilogia, do que quarta parte. Uma pedra no caminho. Mas tenho uma idéia para outra Trilogia… Quiçá então Tetralogia…

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