A primeira frase que ouvi dele foi: “This is a Rock and Roll show, c’mon! I wanna see you.” E com toda a elegância que lhe era peculiar, chamou o público que estava atrás das mesas, como sempre mal posicionadas, para ir até a frente do palco. E foi assim nos dois dias de show de Lou Reed no antigo Metropolitan na Barra. Eu estava lá, diante da lenda. Isso foi em 1996, se não me engano.
Hoje, 28 de outubro de 2013, recebo a notícia da morte de Lou Reed e a primeira coisa que penso é que é mentira. Outra daquelas notícias sobre mortes de celebridades que alguém divulga na internet de vez em quando. Mas porque o Lou Reed? Logo com ele vão inventar uma babaquice dessas? Infelizmente, a Rolling Stone e o site Dangerous Minds confirmaram. Lou Reed dies aged 71.
Pra começar, o rock americano, e que dirá, mundial, seria completamente diferente sem ele. Lou Reed injetou poesia e dignidade aos vagabundos das ruas, nas relações entre homens e homens, mulheres e mulheres, homens e mulheres, drogas, sado-masoquismo e suicídio. Antecipou e mergulhou em várias ondas. Pré-punk, glam, noise, pós punk, ópera rock, lo-fi.
Incorporou na guitarra os riffs de Bo Diddley, Chuck Berry e os experimentos de La Monte Young, John Coltrane, Ornette Coleman e emplacou um dos hits mais estranhos do pop, “doo doo doo doo doo” refrão de “Walk on the Wild Side”, canção em homenagem às musas de Andy Warhol, os transgenders Candy Darling, Jacky Smith & Holly Woodlawn.
Influenciou desde Jesus And The Mary Chain, passando por Sonic Youth, Primal Scream, Spacemen 3, David Bowie, T Rex, Iggy Pop, Cold Cave, The Hives e mais todo mundo que ouviu os versos de “Vicious“, “You hit me with a flower/ you do it every hour / oh baby you’re so vicious” pela primeira vez.
Eu devia ter uns vinte anos quando ouvi Velvet Underground. Era o disco da banana do Andy Warhol na capa: “Velvet Underground and Nico”. Quebra total de espectativa. O disco começa com “Sunday Morning”. Eu achava que ia ouvir uma zoeira, o caos e o que se seguiu foi uma sequência fabulosa de canções.
“I’m waiting for the man”, “Femme Fatale”, “I’ll Be your Mirror”, “All Tomorrow’s Parties”, “Venus in Furs”. Na época, eu já corria atrás das letras graças aos Beatles, pra entender o inglês, mas com Lou Reed fui além das letras das canções, fui caçar literatura e os autores de “A Vênus das Peles” do Barão Masoch, “Almoço Nu” do Burroughs, Allen Ginsberg, Jack Kerouac e mais todos os beats.
Em “Mate-me Por Favor”, Lou Reed conta: “Andy Warhol me disse que estávamos fazendo na música o mesmo que ele na pintura, no cinema, na literatura – Ou seja, não era brincadeira. No meu ponto de vista, ninguém estava fazendo na música nada nem próximo da coisa real, exceto nós. Não era uma farsa ou uma mentira. A primeira coisa que gostei em Andy foi que ele era muito real.”
A última vez que me senti triste com a morte de um artista, foram várias vezes, na verdade: Miles Davis, Joe Strummer, George Harrison, Sergio Sampaio, Kurt Cobain, Aracy de Almeida, Millôr Fernandes. E lamento até hoje as mortes de Torquato Neto, Chico Science, Ian Curtis, Allen Ginsberg e John Lennon.
Do crítico musical Lester Bangs sobre os encontros com Lou Reed: “O fato é que Lou, como todos os heróis, estão ali para serem massacrados. Eles não seriam heróis se não fossem infalíveis. Eles não seriam heróis se não fossem cães vagabundos, párias na terra. A única razão de se construir um ídolo é só pra detoná-lo, assim como tudo. Porque eles nunca vão suprir suas expectativas.”