Se Andy Warhol fosse vivo, certamente ele faria um retrato de Ai WeiWei. A razão pela qual o artista deveria ser imortalizado pelo papa da Pop Art seria o fato de Weiwei ser feito da mesma matéria que Marilyn Monroe e Elvis Presley: o criador chinês é, definitavemente, uma celebridade. E não uma qualquer, mas de tipo warholiano, como uma vez disse o New York Times.
De fato, nos anos 2000, o artista chinês passou de analfabeto digital a messias eletrônico, com mais de 208.906 seguidores no twitter, 9.000 seguidores no Google+ em apenas 3 dias, dentre outras façanhas virtuais. A mobilização que seu blog – agora publicado em livro nos quatro cantos do mundo – e demais ferramentas virtuais provocaram se deve ao engajamento de Ai WeiWei, nos últimos anos, com fatos e situações polêmicos da política chinesa.
Quais explicações para os desastres do Terremoto de Tichuan que assolou a China em 2008 se concentrarem em escolas primárias? Seria tudo mero acaso da natureza? WeiWei mostrou que não, através de descobertas de falhas de engenharia no projeto de construção dos colégios. Ao fazer isso, o artista comprou briga com o Estado chinês, enfrentando toda sorte de reprimendas: foi perseguido, colocado em prisão domiciliar por 81 dias, teve seu recém-construído-estúdio-milionário demolido etc. Tudo com muita divulgação pelas mídias sociais, alternativas e oficiais (O twitter de Weiwei é https://twitter.com/aiww).
Em sua mais recente exposição individual, Evidence, no Museu Martin-Gropius-Bau de Berlim, o artista expõe muitas das obras criadas em decorrência de sua perseguição pelas autoridades chinesas. O quarto que lhe serviu de prisão domiciliar é reproduzido em escala real – algo que WeiWei já vinha investigando desde a última Bienal de Veneza na exposição SACRED -, bem como obras resultantes dos destroços da demolição de seu estúdio e também do terremoto chinês. São obras fortes, que servem também de documentos indubitáveis – evidências, como quer o título da exposição – de seu ativismo político e de sua utilização da comunicação como ato performativo, fazendo ressoar em Ai WeiWei algo de Joseph Beuys.
Surpreendentemente, estes talvez não sejam, no entanto, os seus trabalhos mais interessantes, centrados todos em um processo irônico de auto-mitificação que o torna um herói contemporâneo. Talvez, os mais potentes sejam aqueles onde a questão política não é apenas apresentada, mas traduzida em uma questão formal, havendo aí um rigor artístico admirável por parte do artista chinês.
Neste recorte, entram obras nas quais se constata uma tensão entre tradição e modernização, seja porque o artista se utilizou de técnicas modernas para criar e alterar objetos antigos (como em Han Dynasty Vases with Auto Paint, onde vasos chineses antigos são pintados com cores populares de carro), seja pela sua utilização de técnicas antigas em formas modernas (como Container, obra cuja função do título “esconde” a utilização de técnica e material tradicionais), ou até mesmo na utilização de materiais antigos – em especial a porcelana e o mármore – para gerar milhões de múltiplos que marcam as suas instalações (as sementes, os caranguejos, os bancos, as portas etc.). Todas estas obras estão fundadas em questões em torno dos limites, das ficções e das fricções da História. Nada mais adequado para Berlim, cidade-símbolo de um processo de reconstrução histórica onde diversas questões de preservação e de destruição estão presentes a cada esquina.