Conheci a poesia de Wislawa Zymborska por causa de uma dor de cotovelo. Um amigo me mandou, num e-mail rápido, uma poesia incrível sobre o acaso no amor. Eu não sabia ainda que ela era prêmio Nobel, tampouco que tinha morrido. E não sabia que ela tinha escrito sobre um dos momentos que mais aprecio no teatro: o desmonte da cena, aquele terceiro sinal ao contrário e inaudível – que, aqui, Wislawa chama de sexto ato.
Impressões do teatro
Para mim, o mais importante na tragédia é o sexto ato:
o ressuscitar no campo de batalha,
o agitar das perucas e dos trajes,
o arrancar da faca do peito,
o tirar da corda do pescoço,
o dispor-se na fileira entre os vivos
de cara voltada para o público.
As vénias individuais e coletivas:
a mão branca sobre a ferida no peito,
o reverenciar da suicida,
o acenar da cabeça cortada.
As vénias aos pares:
a fúria dando o braço à brandura,
a vítima trocando um olhar doce com o carrasco,
o rebelde sem rancor acertando o passo com o tirano.
O pisar da eternidade com a biqueira da botina dourada.
O escorraçar da moral com a aba do chapéu.
A incorrigível prontidão de recomeçar amanhã.
A entrada em fila indiana dos mortos
nos actos terceiro, quarto e nos entreatos.
O milagroso retorno dos desaparecidos sem notícia.
Pensar que esperavam pacientemente nos bastidores,
sem tirarem as vestes,
sem limparem a maquilhagem,
comove-me mais do que as tiradas trágicas.
Porém, o mais sublime é o cair do pano
e o que se avista através da fresta minguante.
Aqui, uma mão apressa-se para chegar às flores,
acolá, uma outra apanha a espada caída.
Por fim, uma terceira mão invisível
cumpre o seu dever:
aperta-me a garganta.
Czesław Miłosz e Wisława Szymborska, Alguns Gostam de Poesia. Antologia, Lisboa: Cavalo de Ferro, 2004:113, 135, 153