(Sobre o processo do espetáculo NA SELVA DAS CIDADES, de Bertold Brecht, dirigido por Aderbal Freire-Filho
Por Diogo Liberano, diretor artístico do Teatro Inominável)
São 15h45. Estou sentado numa mesa, aqui no café da Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Ao meu redor, pais, mães, crianças, artistas e uma galera movendo este acontecimento chamado TEMPO_FESTIVAL das Artes.
Acabo de sair do auditório, onde desde 14h estava acontecendo a apresentação do processo deste espetáculo de Brecht dirigido por Aderbal. Que delicioso foi acompanhar toda a discussão, a apresentação de Aderbal e cada uma das presenças, dos atores aos integrantes da equipe de criação. O espetáculo, projeto do ator Marcelo Olinto, estreia nesta quarta-feira, dia 10 de agosto, no Espaço II do Centro Cultural Banco do Brasil, aqui no Rio de Janeiro.
Eu sempre me pergunto o porquê de montar certos textos escritos noutras épocas. Eu me fiz essa mesma pergunta logo que me sentei à cadeira para assistir ao processo. Eu não sabia do que se tratava o texto de Brecht, apesar de intuir que sua construção se fizesse por meio de um forte embate. Eis que pelas primeiras palavras de Aderbal eu encontrei aquilo que precisava: ele nos falou do embate, do “boxe”, de dois adversários, de um capitalista e um idealista.
Foi então que rapidamente o texto escrito na juventude de Brecht voltou com alguma força digna de nossos tempos. Suas questões, reveladas em apenas uma das cenas que foi apresentada ali na nossa frente, deram espessura a este tempo corrente: o que é ser idealista em épocas como a nossa? Em épocas nas quais a experiência do capital avassala a tudo (incluindo a si própria), como seguir adiante?
Não sei o que virá. Nunca li esta peça de Brecht. Saio deste processo ansioso para assistir ao espetáculo. Saio renovado pela importância de promover o embate, enquanto artista, com meu próprio tempo. O embate faz todo o sentido (mesmo não fazendo). Parte de uma necessidade suprema em acreditar num ideal contrário ao ideal-corrente. Não quer dizer ser contra-capitalista. Quer dizer ser contra, justamente para saldar, com maior intensidade, a corrente.
Ressalto a proposta do cenário (mostrada num televisor enquanto o debate acontecia), composta por um imenso outdoor ao fundo da cena. Destaco também a trilha sonora do espetáculo, em sua maior parte executada pelos atores como “percussão” das cenas. Ouvi sons de artilharia. Do suave ao mais grave, a música neste Brecht parece mais aproximar do que distanciar. Tudo bem. Aos atores resta a terrível façanha de moldar em tipos, o espírito de uma época. Os embates de um tempo. Para que nós, espectadores, possamos tramar algum sentido (ou não) para o seu drama.
É revivendo o embate de Brecht, de sua juventude, que nos aproximamos e que adensamos ainda mais nossas questões. Foi um prazer compartilhar cerca de noventa minutos frente a frente com este determinante encenador e artista brasileiro.