“a forma de uma cidade
muda mais rápido, ah! que o coração de um mortal”
Charles Baudelaire
O diretor de teatro e cenógrafo holandês Dries Verhoeven traz pela primeira vez um trabalho ao Brasil. Com projetos que se apropriam e fundem as artes visuais e o teatro, Verhoeven cria experiências onde o espectador atua diretamente na obra. Seus trabalhos elaboram as contradições do mundo contemporâneo, povoado de ruínas, se utilizando de diversas tecnologias, como celulares, computadores e projeções. Buscam não só a interação com o público, mas encontrar, nele, seus verdadeiros significados. Por intermédio da fusão entre o teatro, as intervenções urbanas e as artes visuais, Verhoeven desafia as fronteiras entre a realidade e ficção.
A convite do 2º TEMPO_FESTIVAL 2012, Verhoeven remonta sua instalação Adeus! (Fare Thee Well) no Rio de Janeiro, apresentada pela primeira vez na The World is Not Fair – The Great World’s Fair 2012, em Berlim. O circuito reuniu trabalhos de diversos artistas em 15 pavilhões instalados no antigo aeroporto de Tempelhof. The World is Not Fair pode ser entendido tanto por O Mundo Não é Justo, quanto por O Mundo Não é Feira. A ironia da referência às feiras mundiais alcança a instalação de Verhoeven, que se despede do que foi esquecido ou que está em vias de desaparecer com sucessivos adeus.
“Adeus (passar bem) à Ideia de Crescimento Infinito”,”Adeus Libido”, “Adeus Centro de Atenção”. As palavras, inapreensíveis a olho nu, podem ser lidas em um painel de LED através de um telescópio, localizado a 2 km de distância. A mensagem nos é aplicada de cabeça para baixo, já que o espelho do telescópio inverte a imagem. As frases, então, vão atravessando uma cidade invertida, que já não é aquela que costumamos olhar todo dia. As despedidas ganham um tom melancólico quando embaladas pelo réquiem de Händel, um adeus aos mortos. “Adeus Hollywood, Bem-vindo Bollywood”, “Adeus sentimentos de culpa neocoloniais”, “Adeus capitalismo”. As palavras, em Berlim, convidaram a cidade a se olhar de fora, estabelecendo uma perspectiva atemporal.
Para a composição de despedidas brasileiras, Verhoeven pôde contar com a
parceria do dramaturgo Pedro Brício. Juntos, produziram o texto da instalação
que vai acontecer no Parque das Ruínas, em Santa Teresa entre os dias 5 e 14
de outubro (exceto na segunda, dia 8).
No ensaio “Da Utilidade e dos Inconvenientes de Viver entre Espectros“, Giorgio Agamben retrata Veneza para falar da vida espectral de algumas cidades e dos sussurros que elas emitem, inapreensíveis aos seus moradores vivos. As cidades-espectros carregam datas, acontecimentos, mortos, sonhos. “O nosso tempo não é novo, mas novíssimo” comenta. “Concebeu-se como pós-histórico e pós-moderno, sem suspeitar que assim se atribuía necessariamente a uma vida póstuma e espectral, sem imaginar que a vida do espectro é a condição mais litúrgica e inacessível, que impõe a observância de regras de saber-viver intransigentes e de litanias ferozes, com as suas vésperas e as suas matinas, as suas completas e os seus ofícios”.
Adeus! (Fare Thee Well) é uma leitura do nosso tempo. É o trabalho de um artista que tem a sensibilidade de dar voz a espectros.