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3 HISTÓRIAS, 5 ATORES, 13 PERSONAGENS

Histórias de Amor Líquido é uma peça que contém três histórias, cada uma delas com personagens bem definidos, e que fala de relações afetivas. É um trabalho que me mobiliza, me comove. E que tem sido tema de sessões de terapia.

– Ele é jovem, bonito e chega sozinho na festa. Ela é jovem, bonita e também está desacompanhada. No outro canto da sala, ela dança. Ele bebe e conversa comamigos, sem tirar os olhos dela. Os olhares se cruzam e agora eles sabem que é só uma questão de tempo.

– A atriz e o ator. O ator e a modelo. A atriz e o jogador. A modelo e o empresário. O jogador e a apresentadora. O empresário e a socialite. A socialite e o jogador. O cantor e a apresentadora. A atriz e… o ator novamente.

– Eles vêem, da janela, a ponte. Uma ponte coberta por uma neblina permanente, que impede que se veja o outro lado. A pergunta que surge é: existe o outro lado? E se existe, o que haverá do outro lado?

– Numa rua sem saída, ela chora. Como não consegue dormir, ela caminha. A
noite é perigosa, ele diz. Os perigos mudaram, ela pensa. Há 12 anos que ele
trabalha naquela rua, todas as noites. De dia apenas cochila. Ela sangra. Ele
oferece um lenço.

Antes, durante e depois de escrever Histórias de Amor Líquido, conversei com minha terapeuta sobre o processo de criação, falei de cada personagem, mencionei suas vidas e em que ponto elas estavam na fatia de vida que será apresentada ao público. Afinal, são muitas as referências e inspirações que me motivaram a escrever, sendo o maior deles o livro Amor Líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos, do sociólogo polonês Zygmunt Bauman. O estado líquido, para Bauman, é aquilo
de que são feitas as relações humanas na pós-modernidade (boa parte delas ao
menos), posto que são fluidas, sem peso, que adquirem sem dificuldades formas variadas; mas que ao mesmo tempo não conseguem se fixar, estabelecer vínculos, aprofundar, verticalizar. Somos bons em quantidade, mas não tão bons em qualidade (uma comparação lugar-comum: podemos ter vários seguidores no Twitter e vários agregados no Facebook, mas quantas dessas pessoas podemos realmente chamar de amigas?).

– Quando um cresce, os dois crescem. Ela é secretária, ele estagiário. Ela
consegue uma entrevista pra ele. Ele vai lutar por aquela oportunidade com
unhas e dentes. Eles sentem que as coisas vão mudar e que as melhoras só
vão fortalecer a relação.

– Ele atiça o fogo. Ela coloca um disco de Gardel. Ele sorri ao vê-la dançando com a mesma jovialidade de há 30 anos atrás. Eles se sentam diante da lareira, de mãos dadas, e brincam de ver figuras sendo formadas pelas chamas da lenha
queimada.

– Eles mantém os corpos bem colados enquanto dançam. A casa está cheia de
gente. Ele afasta o cabelo dela para falar gracinhas em seu ouvido. Ela deita a
cabeça em seu ombro. E é nesse momento que ele percebe quantas mulheres
bonitas estão naquela festa.

– A apresentadora e o ator. A atriz e o empresário. A modelo e o jogador. A
socialite e o cantor. O cantor e a atriz. O empresário e a -apresentadora. O
cantor e modelo. A socialite e o ator. A apresentadora e o segurança. A atriz e….
o ator novamente.

O livro de Bauman me fez olhar o mundo com mais atenção, mas me proporcionou, sobretudo, uma visão mais acurada sobre mim mesmo. Esse olhar pra dentro, que tanto venho trabalhando na terapia e na meditação (faço um tipo de meditação chamada Healing também com minha terapeuta) me fez querer escrever e expressar uma grande quantidade de inquietações que transformei nas tais três histórias. E uma grande rede de intertextualidade se abriu pra mim, fazendo dialogar minhas experiências pessoais com filmes de diretores como David Lynch, Ingmar Bergman, Wong Kar Wai e Tarkovsky, histórias de que ouvi falar, autores como Tchekhov, Paul Auster, Ernest Hemingway, John Fante, com gente que eu conheço, os quadros de Edward Hopper, músicas românticas americanas dos anos 1980, muitos sonhos…

– Ela gostaria de caminhar pela ponte, ainda assim. Ele não vê a hora de ir
embora daquela casa. Ela quer conversar. Ele quer voltar pra sua rotina na qual
se sente perfeitamente adequado e feliz. Ela agora já não tem mais certeza de
nada.

– Ela volta à rua sem saída: ele está lá, todas as noites. Ela quer devolver o
lenço. Ele não entende o que ela faz ali. Ela devolve o lenço. Eles comem. Eles
conversam.

– Ele consegue o emprego. Ela é a mulher mais orgulhosa do mundo. E aquele é
apensa o primeiro passo em direção ao topo.

– Poucos anos depois do falecimento dela, ele morre também. Mais de meio século de vida em comum e intermináveis finais de semana naquela casa à beira do lago, que agora permanece fechada. Para sempre?

Histórias de Amor Líquido.

[*Walter Daguerre é um dos autores teatrais da chamada Nova Dramaturgia Carioca, além de ator, encenador e produtor de teatro.]

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