Em Cine Gaivota, o casal Pedro (Emanuel Aragão) e Ana (Fernanda Félix) reflete a respeito de temas caros à humanidade: amor, morte, nascimento, tempo e o próprio teatro. Trata-se de uma cena filosófica que extrapola os limites cronológicos e mistura passado, presente e futuro em uma tentativa de aproximação ao que podemos chamar de o mistério da vida. Assim, conforme a peça se desenrola, a dupla de atores vivencia e apresenta ao público uma série de questionamentos a respeito tanto da existência humana quanto do fazer teatral.
As desventuras amorosas e as discussões sobre arte que marcam os personagens de Anton Tchekhov em A Gaivota são o ponto de partida para este espetáculo-instalação. Livremente inspirado na peça russa, o espetáculo retoma uma série de questionamentos encontrados nela, dentre os quais se destacam: É preciso haver inovação teatral? Devemos apostar em formas novas ou garantir as formas velhas? Um artista deve amar o sucesso ou deve aprender a suportar os altos e baixos de sua profissão? Ao longo do processo de ensaio, tais indagações se revelaram absolutamente contemporâneas, merecendo, com isso, serem discutidas.
De modo paralelo às perguntas relacionadas à criação, outro tema encontrado em A Gaivota foi decisivo: o amor e a relação entre pais e filhos. Como lidar com a desilusão amorosa? E quanto às imperfeições de nossos familiares, como entendê-las e respeitá-las? Qual é o limite de um casamento? Tais perguntas permeiam a relação afetiva e amorosa de Pedro e Ana, um casal universal que mostra as indas e vindas de nossas certezas e paixões.
Tais assuntos, pertinentes a todos os seres humanos, não receberam, no entanto, um tratamento cênico e dramatúrgico tradicional. Cine Gaivota foi elaborada com o intuito de discutir sobre a possibilidade da própria produção artística, partindo de uma postura auto-referente que sempre desconfia de si mesma. É neste sentido que se propõe uma cena filosófica: na busca incessante de algo essencialmente móvel e mutante, na tentativa de apreender acontecimentos inapreensíveis.
Para dar conta desta empreitada, duas decisões radicais foram necessárias. Em primeiro lugar, foi criada uma nova dramaturgia, na qual as questões propostas por Tchekhov são recolocadas do modo mais adequado ao mundo em que nós vivemos hoje, no alvorecer do século XXI. Em segundo lugar, Cine-Gaivota resulta de um cruzamento de linguagens artísticas ao propor não apenas um espetáculo, mas também uma instalação. O primeiro desafio ficou por conta de Emanuel Aragão; a artista plástica Brígida Baltar ficou encarregada do segundo.
Além de Tchekhov, servimo-nos de importantes referências. Os dramaturgos norte-americanos Steven Dietz e Tennessee Williams foram fundamentais devidos às releituras que realizaram de A gaivota (Variações Nina e O Caderno de Trigórin, respectivamente, ambos inéditos no Brasil). Além deles, foram fundamentais a produção audiovisual de Chris Marker, Jørgen Leth e Alan Resnais. Complementam a galeria de referências os trabalhos de Alexander Mcqueen, Janine Antoni, Adrianna Eu e Damien Hirst.