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ENTREVISTA DE DIOGO LIBERANO A Daniel Schenker

DANIEL SCHENKER: Você acha que é possível perceber nos espetáculos uma articulação teórica com o pensamento desenvolvido nas universidades? Caso sim, de que forma?

DIOGO LIBERANO: Sem dúvida alguma. Talvez por ser aluno formado no curso de Direção Teatral da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), eu consiga ver essa articulação de forma mais clara. A criação desses espetáculos envolve um processo de no mínimo seis meses, sempre orientado por um professor. São inúmeras etapas de investigação e criação, desde o projeto até a exibição do espetáculo (em mostras abertas para a comunidade acadêmica e para a cidade). Há uma apresentação inicial dos projetos, na qual cada aluno manifesta seus interesses e estratégias para a criação. Em seguida, há a própria mostra com os espetáculos e, por fim, uma avaliação pós-apresentação. Em todas estas fases, eu poderia dizer que o “pensamento desenvolvido nas universidades”, em muitos casos, estimula o aluno a conceber a sua produção voltando-a para dentro da realidade social de nossa cidade e país. Neste sentido, as montagens que integram esta mostra, em especial, investigam novas dramaturgias que denotam não somente criações nascidas no contexto de nossos tempos, mas, sobretudo, montagens que visam denunciar, propor e/ou reescrever outras realidades possíveis à nossa.

 

D.S.: Há uma constância temática ou estrutural atravessando os trabalhos selecionados pela mostra?

D.L.: Eu poderia dizer que a principal intersecção entre as montagens que integram a programação da [ mostra hífen ] diz respeito a relação “pesquisa-cena”, presente no próprio nome da mostra. Em todas as encenações, percebo um trânsito criativamente livre e multiplicador que ocorre justamente entre estas duas categorias: pesquisa e cena, teoria e criação. A diversidade de temáticas e mesmo de estrutura cênico-dramatúrgica é o que torna, a meu ver, a mostra extremamente rica e atenta à diferença de estilos e linguagens. Não houve interesse em costurar toda essa diferença, mas sim em evidenciar os diferentes processos e estilos. São tentativas cênico-dramatúrgicas que não se cansam de rever suas apostas e de escrever outras novas, sobretudo por considerarem o diálogo com o espectador um aspecto determinante na constituição de seus trabalhos.

 

D.S.: O fato de os trabalhos estarem sendo apresentados numa galeria informa sobre uma conexão entre teatro e artes plásticas?

D.L.: O convite que recebi para ocupar a Galeria Marcantonio Vilaça, a princípio, era apenas para exibição dos trabalhos que venho desenvolvendo com a minha companhia (Teatro Inominável). Porém, como o espaço cedido é uma galeria de arte (recentemente pintada a preto, como uma pequena caixa preta cênica), os trabalhos do Teatro Inominável não teriam condições espaciais para acontecer ali. Assim, optei por desenvolver uma mostra de artes cênicas com espetáculos que pudessem utilizar de forma interessante o espaço. Ou seja, alguns espetáculos apresentam uma cenografia que, de fato, ocupa o espaço da mesma forma como uma instalação plástica ocupa uma galeria de arte. A própria estrutura de iluminação que desenvolvemos é feita com refletores usados em galeria. Como não há interesse em esconder a galeria, em transformá-la em outro espaço, em muitos casos as produções dos espetáculos se apropriam da galeria por meio de um site specific, ou seja, as peças se recriam por conta das características estruturais da sala, incorporando tais características ao mesmo tempo em que as transformando. É curioso que mesmo ocupando a Galeria, a programação da mostra busca “escorrer” também para outros espaços do teatro e acaba, com isso, dando-lhes novas utilizações. Assim, há uma série de debates que acontecem no hall de entrada do teatro, junto ao café. Performances que acontecerão gratuitamente do lado de fora do teatro, exatamente na passagem entre rua e bilheteria. E, encerrando a mostra, um ensaio-aberto será encenado no palco principal do Sérgio Porto, em parceria com o evento CEP VINTE MIL organizado pelo poeta Chacal.

 

D.S.:Quais os critérios que você utilizou na seleção desses trabalhos para compor a mostra?

D.L.: Tentei fugir um pouco do critério “bom” ou “ruim”. Antes de fechar a programação, tinha acabado de assistir uma mostra da UFRJ na qual 12 espetáculos inéditos tinham sido encenados. Tal mostra me fez chegar ao mote pesquisa-cena. A partir desta proposição foi possível escolher os trabalhos, pois aqueles que integram a mostra são, de fato, experiências cênico-dramatúrgicas que estão em movimento, em tentativa. E esse caráter não é desculpa para alguma eventual fragilidade que os espetáculos possam apresentar. O nome “pesquisa-cena” diz respeito ao caráter indissociável que inúmeros artistas têm encontrado em suas produções. São pesquisas e cenas que não se furtam ao contágio que o público, o espaço e mesmo a realidade de nossa cidade e país podem evocar em suas cenas. São trabalhos que não abrem concessão quanto à possibilidade de sempre reverem a aprimorarem suas poéticas quando confrontadas com o outro. Dos cinco espetáculos que integram mostra na categoria “pesquisa-cena”, três saíram destra mostra da UFRJ e outros dois de mostras anteriores (2010 e 2011). Outros dois trabalhos foram chamados para se apresentar como “ensaio-aberto”. Sobre estes, fui extremamente aleatório. Sabia que os diretores estavam em processo, sabia algo sobre tais processos, mas não tinha visto nenhum ensaio ou mesmo ouvido falar sobre. Apenas havia me encantado com as proposições iniciais de suas tentativas. Assim, aceitei o desconhecido e o compartilhei com o público. Na abertura da mostra, vivemos uma interessante experiência com o primeiro ensaio-aberto, “Ucrânia 3”, dirigido por Bernardo Lorga.

Categorias: Blog. Tags: Daniel Schenker, Diogo Liberano e Mostra Hífen de Pesquisa-Cena.