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vaca, cavalo e cahorros: a arca de noé curitibana

Vaca, cavalo e cachorros: No oitavo dia do 21° Festival de Teatro de Curitiba, a relação do homem com os animais marcou forte presença na programação.

Integrante da mostra Grupos de BH – Teatro para ver de Perto, com curadoria de Chico Pelúcio e Leonardo Lessa, Cachorros não sabem blefar, da Cia Cinco Cabeças, tem direção e dramaturgia de Byron O’Neill. A partir da interrupção de um relógio – que marca uma única hora; 9:15 – a peça apresenta uma dramaturgia circular na qual os diálogos e partituras corporais são retomados repetidas vezes, ora por um mesmo personagem, ora por outro. O espetáculo flerta com o Teatro do Absurdo, mas parece ir além, na medida em que, em uma situação aparentemente cotidiana, personagens desconfiados de si e dos outros levam o questionamento para a linguagem a ponto de tornarem insustentável o estabelecimento de qualquer referencial. É neste ponto, no entanto, que o trabalho dramatúrgico – coeso e muito bem estruturado por O’Neill – poderia ter reservado maior atenção: pois, se no início, a perda de referencial é acompanhada por um mal-estar e uma desconfiança latentes, ao longo da peça, tal condição – fundamental – parece permanecer em um jogo dialógico formalista, perdendo a pungência existencial. Nada invalida, todavia, o trabalho do grupo mineiro cuja genealogia remonta também peças como Huis Clos (1944), de Jean Paul Sartre, Esperando Godot (1952), de Samuel Beckett, e, mais recentemente, O homem que era sábado (2003), de Pedro Brício. Referências à Shakespeare (em especial, Romeu e Julieta) e Hans Christian Andersen (A roupa nova do rei) são também explícitas.

Vaca Pródiga é o título do espetáculo que o grupo curitibano Teatro de Breque apresentou por ocasião da 5° Mostra Novos Repertórios, com curadoria de Michele Menezes e Pablito Kucarz. A peça parte de uma releitura da parábola religiosa do Filho Pródigo realizada pelo dramaturgo norte-americano Mark Harvey Levine. No texto de Levine, a história é contada do ponto de vista da vaca, animal que será sacrificado para servir como banquete à comemoração do retorno do filho ao seio familiar. Somados ao texto inicial, um prólogo e um epílogo criados, respectivamente, pelos atores Pablito Kucarz e Tatiana Blum completam o espetáculo. Os dois atores funcionam, com isso, como pólos de proposições artísticas e, se fosse uma competição, quem sairia ganhando seria Kucarz. Seu prólogo, uma mistura de improviso, workshop e texto ensaiado, conduz o espectador à pesquisa do grupo, revelando, com boa dose de humor, diversas camadas de significação para a parábola (misturando Michael Jackson com a linguística de Greimas). Conforme o foco se desloca para o trabalho de Blum – que, além do epílogo, interpreta a vaca – a peça parece reduzir a amplitude de significação conquistada por Kucarz, fato que afunila o trabalho do grupo para um lugar sem muito risco e interesse.

Integrante da Mostra Oficial, o já clássico Equus, de Peter Schaffer, recebe nova montagem sob as mãos de Alexandre Reinecke. A história é contada sob o ponto de vista de Martin Dysart (Elias Andreato), psiquiatra encarregado pela cura de um jovem rapaz, Alan Strung (Leonardo Miggiorin), responsável por cegar cruelmente seis cavalos. A “cura” passa invariavelmente pelo esclarecimento do fascínio patológico-religioso de Strung em relação a estes animais. Como também era de se esperar de um drama psicanalítico, o pai – marxista superficial que frequenta sorrateiramente cinemas pornôs ao mesmo tempo em que proíbe o filho de assistir televisão – e a mãe – religiosa (e esta palavra basta para descrevê-la) – são invocados para explicar, não pelo discurso mas por seus comportamentos, as decisões do filho. Moralidade, humanidade e normalidade são três dos conceitos que são problematizados no texto de Shaffer. Entretanto, a profundidade de tais questionamentos torna-se rasa na montagem que opta, por exemplo, transformar o fascínio pelo cavalo de Strung (algo que traria um pensamento a respeito dos limites daquilo que entendemos por ser humano, nos aproximando de nossos instintos animais) em um tesão homossexual por um rapaz musculoso e sarado.

Os bichos, portanto, estão presentes. Mas eles estão soltos? Continuemos caçando as borboletas.

Categorias: Blog. Tags: Alexandre Reinecke, Byron O'Neill, carrossel, Chico Pelúcio, Cia Cinco Cabeças, Jean Paul Sartre, Leonardo Lessa, Márcio Mattana, Mark Harvey Levine, Pablito Kucarz, Pedro Brício, Peter Schaffer, Samuel Beckett e Tatiana Blum.