No último sábado, dia 20 de março de 2009, a diretora e curadora do Tempo Festival das Artes, Bia Junqueira, deu um tempo no calor carioca e foi participar do encontro promovido pelos críticos Bruno Tackels e Jean-Marc Adolphe no Centro Cultural Le CentQuatre, em Paris.
Para quem nunca ouviu falar nem em Tackels, nem em Adolphe, nem no Le Centquatre, aqui vai:
Bruno Tackels é um filósofo belga e crítico de teatro, especialista em Walter Benjamin, tendo escrito mais de três livros dedicados à análise da obra do filósofo alemão. Tackels, além de escrever para a revista Mouvement, também é professor da Université de Rennes II e um grande pensador do teatro contemporâneo.
Assim como Tackels, Jean-Marc Adolphe também é crítico. Além disso, Adolphe é o redator-chefe da revista Mouvement e também o conselheiro artístico do Théâtre de la Bastille, em Paris. Não apenas o teatro é o objeto de interesse de Adolphe. Na realidade, o crítico francês debruça-se sobre a cena contemporânea, tendo como objeto de crítica e de reflexão também a dança, como por exemplo os espetáculos de Anne Teresa de Keersmaeker em Bruxelas.
Já o Centro Cultural Le Centquatre, cujo título é a descrição por extenso do número 104, é uma instituição francesa singular: trata-se de um local de produção e de troca artísticas, aberto a todo e qualquer tipo de experiência criativa. Lá há de tudo um pouco: festivais, apresentações, exposições, residências, encontros e debates, como o que aconteceu no dia 20 de março, com o título de L´art a-t-il lieu d´être? (em uma tradução livre para o português, A arte tem um lugar de ser?)
A pergunta-mote do encontro já revela a pegada do evento. O objetivo proposto por Adolphe e Tackels foi o de lançar perguntas, muito mais do que achar respostas. Focalizando a produção e a experiência artística contemporânea, os dois críticos traçam o diagnóstico e, em seguida, indagam:
Ao longo de todo o século XX, a criação artística criou para si inúmeros espaços de produção: é só pensar nos laboratórios de criação, passando pela Bauhaus e pelo Judson Church, entre outras aventuras artísticas, que notamos inúmeros lugares instáveis em que o objetivo principal era pensar e produzir arte.
O século XXI, no entanto, parece revelar uma nova topografia, ditada pela necessidade do resultado imediato e a qualquer preço. Diante destes imperativos que se impõem neste novo século, pergunta-se: qual é o lugar da arte? Como fazer com que ela não esteja subjugada às amarras administrativas e burocráticas, aos controles de desempenho e às taxas de qualidade e freqüência? Como realizar uma política cultural, entendendo esta como um processo criativo e não como um conjunto de práticas administrativas? Em resumo, quais conformismos é preciso enfraquecer e quais brechas devem ser abertas, de modo que a arte ainda tenha o seu lugar de ser?
Sintetizando tudo acima, Adolphe, para o início da conversa, lançou a seguinte questão: a arte é vitrine ou refúgio? Para respondê-la, os dois críticos contaram com a presença de um grupo de dez empreendedores internacionais da arte e da cultura, figuras como Robert Cantarella, diretor teatral e diretor do CentQuatre Paris, Hubert Colas, autor e diretor do Montevideo Centro de Criação Marseille, Annie Bouzzini, diretora do Centro de Desenvolvimento Coreográfico Toulouse, Bárbara Van Lint diretora da escola Das Arts Amsterdan e Bia Junqueira, diretora do Tempo Festival.
A pergunta lançada por Adolphe teve por objetivo estimular seus companheiros de mesa a expor, cada um a seu modo e pautado por própria experiência, suas visões a respeito dos espaços criados e geridos por eles. Em que medida, por exemplo, um centro cultural como o Le CentQuatre é vitrine dos imperativos de desempenho? Ou seria este um espaço de refúgio, de resistência ao meio?
Na opinião de Bia, nem uma coisa nem outra. Espaços criados por centros culturais e festivais devem ampliar as zonas de diálogo entre o artista, o trabalho que este desenvolve e o público. Trata-se de um novo lugar de articulação, em que o público não apenas assiste ao produto final, à obra acabada, mas, mais do que isso, é integrado ao processo de criação artística. Trata-se, portanto, de um Espaço-Tempo que engloba os espetáculos e as apresentações, mas não se restringe a estes acontecimentos. Propõe inúmeros outros: ao público não é reservado o espaço distanciado da platéia. Ele deve acompanhar, debater, intervir, dialogar com os artistas no interior dos processos criativos. O público, assim, assume uma nova função, sendo integrado ao processo de criação.
Quem foi ao Primeiro Tempo_Festival, em dezembro de 2009, no Oi Futuro, irá reconhecer algumas questões tratadas no Le CentQuatre. Na realidade, o debate em torno do lugar da arte encaixa-se perfeitamente aos debates realizados em torno do tempo da arte, no Tempo Festival. A palestra de Emanuel Wallon, que pode ser conferida na íntegra aqui mesmo no site, aborda também as possibilidades da Arte, em especial o Tempo da Cena.