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O PROCESSO HISTÓRICO – MORTE E VIDA DE SERGIO BRITTO E FERNANDO PEIXOTO

“A experiência individual passa misteriosamente de geração para geração, mesmo quando os filhos pensam desmentir os pais” – Décio de Almeida Prado.

Daqui a alguns anos, quando os historiadores vindouros se debruçarem sobre a passagem de 2011 para 2012 – isto é, a transição da primeira para a segunda década do século XXI -, irão notar que tal passagem se dá com duas perdas essenciais ao Teatro Brasileiro Moderno: as mortes de Fernando Peixoto (1937 – 2012) e Sérgio Britto (1923 – 2011).

Fernando Peixoto, com a atriz Patrícia Selonk, recebendo a  homenagem especial na versão paulista do 22ª Prêmio Shell de Teatro

 

Certamente o nome de Britto circula com mais frequência nos veículos midiáticos. Também, não poderia ser diferente. A trajetória de Peixoto, ator e diretor que tem papel fundamental na consolidação e na difusão da produção teatral brasileira por meio de sua participação no Teatro Oficina (integrando o elenco de espetáculos históricos como O Rei da Vela em 1967; Galileu Galilei em 1968; e Na Selva das Cidades em 1969) ou no Teatro Arena (onde participou de Arena Conta Zumbi, de Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal, e Arena Conta Bolívar, de Boal) se caracteriza por um profundo e verdadeiro engajamento político, com pouquíssimas concessões.

Iná Camargo da Costa, autora de “A hora do teatro épico no Brasil” ressalta o esforço heróico de Peixoto por preservar a história não oficial do Teatro Brasileiro, por meio de seu trabalho editorial em torno da memória do CPC (Centro Popular de Cultura) da UNE, de extrema importância para a divulgação dos procedimentos e conceitos de Bertold Brecht no Brasil. Diretor de Calabar (1973), uma das produções teatrais mais caras da época e censurada às vésperas de sua estréia, Peixoto não é reconhecido apenas por suas atuações e encenações. É dele, por exemplo, a tradução do livro O Teatro e Sua Realidade, de Bernard Dort, e ainda muitos outros textos teóricos e dramatúrgicos essenciais à formação do cenário artístico nacional.

A trajetória de Sérgio Britto, apesar de bem diferente, não é menos importante. Um dos fundadores do histórico Teatro dos Sete, o ator, diretor e produtor é responsável pela fundação de outros teatros (como o Teatro dos Doze, em 1949, e Teatro dos Quatro, em 1996), integrando ainda o elenco das companhias Teatro do Estudante do Brasil (TEB), Teatro Maria Della Costa (TMDC), Teatro Arena, dentre outras. Indubitavelmente, Britto deve ser lembrado por seu espírito empreendedor que se manifesta não apenas nos empreedimentos que cria, mas principalmente nos personagens que interpreta. Ícone de um Teatro Moderno que atualmente já nos parece distante, Britto representa igualmente o Teatro Contemporâneo – motivando inclusive uma revisão do conceito de “modernidade” – por meio de suas corajosas e impagáveis atuações em espetáculos, como A última gravação de Krapp e Ato sem palavras I (2008), de Samuel Beckett, ou Quartett (1986), de Heiner Müller.

ATO EM PALAVRAS – SÉRGIO BRITTO from Célia Freitas on Vimeo.

Os números, evidentes em boa parte dos títulos de seus empreendimentos, confirmam: a trajetória de Britto é, sem sombra dúvida, uma chave de acesso para pensarmos historicamente o desenvolvimento da cena brasileira nas últimas décadas. O mesmo pode ser dito para o percurso de Fernando Peixoto. Se não podemos mais ter o prazer de suas presenças nos palcos brasileiros, resta-nos seu legado que, importante ressaltar, não deve ser subestimado, como ocorreu recentemente com o acervo de Augusto Boal (que, por muito pouco, não ficou sob responsabilidade da New York University).

Afinal de contas, as mortes de Sergio Britto e Fernando Peixoto representam também a entrada definitiva de seus nomes na História do Teatro Brasileiro. Se a fama foi generosa apenas para alguns, devemos evocar neste momento Hannah Harendt, que nos lembra que a fama tem muitas faces, formas e tamanhos. Se a fama póstuma é, por um lado, a variante mais rara e menos desejada, por outro ela é o “quinhão dos inclassificáveis”. Definitiva, muito mais para Peixoto que a Britto, a fama póstuma declara a singularidade de ambas as vidas. Que entrem nas cenas da história aqueles que infelizmente deixaram a vida (e, assim, conclui-se do mesmo modo que Getúlio Vargas, em sua última frase célebre e certeira).

Categorias: Notícias. Tags: Augusto Boal, Bernard Dort, Bertold Brecht, carrossel, Fernando Peixoto, Gianfrancesco Guarnieri, Hannah Harendt, Iná Camargo da Costa e Sérgio Britto.