O TEMPO_FESTIVAL entrevistou Leila Hipólito e Felipe Argollo, diretora e produtor da intervenção urbana que revisitou os séculos XIX e XX no Oi TEMPO na praça. Enquanto Hipólito tematiza as inovações do século XIX em diversos campos do saber (relacionando-as ao novo século), Argollo focaliza o desbunde cultural dos anos 60 e 70. Boa Leitura!
TEMPO: Como foi a escolha dos marcos históricos a serem representados? Qual foi o embasamento conceitual da performance?
LEILA HIPÓLITO: O final do século XIX foi marcado por expressivas mudanças políticas, sociais culturais. Grandes invenções científicas que marcaram o século XX, como as máquinas de voar, a luz elétrica, o telefone, a fotografia, o cinema e o carro a combustão interna foram inventados na segunda metade deste século. Ao mesmo tempo a revolução industrial havia remodelado a sociedade, com a ascensão da burguesia e do capitalismo. O mundo viu o fim de muitos impérios e reinos, que deram lugar à democracias. A arte acompanhou essa efervescência.
No evento na Praça procuramos não só retratar um pouco da Ipanema da virada do século XIX para o XX, como também retratar alguns personagens e momentos que fizeram parte desse novo país que surgiu durante o século XIX. Queríamos gerar um clima, fazer-se sentir um perfume da energia e vibração que aquela época emanava. Por exemplo, a abolição da escravidão estava representada pela vendedora de camélias (além de descrita em matéria da Revista Ilustrada da época no jornal que publicamos). As camélias eram um simbolo abolicionista, pois a Princesa Isabel que fazia parte deste movimento protegia o quilombo do Leblon, onde se plantavam camélias.
A Revolta da Chibata, magnificamente encenada pela Companhia de Mysterios, mostrou a insatisfação dos marinhos brasileiros que eram castigados no tronco, mesmo depois da abolição. Os revoltosos se inspiraram na revolta Domingo Sangrento que aconteceu na Rússia. E tudo foi narrado por um espectador, Osvald de Andrade, que testemunhou o ataque do navio Minas Gerais à então capital do Rio de Janeiro.
A experiência para o público deveria não ser só nas apresentações maiores, como também vivenciar de perto acontecimentos e personagens, como se lá estivessem. Por isso muitas micro cenas aconteciam por onde todo o elenco passava, já que eles estavam em cena o tempo todo e espalhados pela praça. Podia-se ouvir a insatisfação de moças feministas, que lutavam pelo direito ao voto das mulheres no Brasil, ou o Barão de Ipanema e seu sócio, projetando o novo bairro, ou ainda, personagens de Machado de Assis que circulavam pela praça (Capitu, procurava por Machado de Assis e Simão Bacamarte dava – ou não dava – atestados de sanidades para aqueles que examinava). Os históricos pequenos jornaleiros anunciavam as notícias importantes e curiosas do final do séc. XIX e se divertiam com as pessoas da praça.
Os poetas deram um show a parte. Olavo Bilac anunciou ter terminado a letra do Hino da Bandeira, e toda a praça cantou junto. Uma emoção só. E o sarau continuou com Bilac, Francisca Júlia, Gilka Machado, Raquel Agostini e Nair de Teffé.
O circo da época, com a pirâmides humanas, monociclo, malabares e contorcionismo encantaou adultos e crianças, assim como o encontro musical entre Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazaré e João Pernambuco. Eles tocaram suas composições, entre eles Abre Alas e Forrobodó.
Anunciando os acontecimentos marcantes e curiosos e os personagens do sec XIX representados no evento, os pequenos Jornaleiros, emblemáticas personagens da história carioca, anunciavam e vendiam o lindo jornal da época produzido para o evento.
FELIPE ARGOLLO: A escolha central da proposta foi representar a década de 70 e suas maiores representações dentro do bairro de Ipanema. Gilberto Gawronski quis mostrar o desbunde da época e referências que até hoje fazem parte de um dos bairros mais tradicionais do Rio de Janeiro. A representação da banda de Ipanema, o Teatro Ipanema, a moda pier e os parangolés de Hélio Oiticica foram o pano de fundo para mostrar a liberdade e questionamentos de uma geração.
TEMPO: Como foi o processo de criação e desenvolvimento da performance? (Escolhas “dramatúrgicas”, encontro e trabalho com os atores, etc.)
FELIPE ARGOLLO: O processo se deu em visitas nas tradicionais escolas de artes dramáticas e dança da cidade. A adesão dos artistas em formação foi fundamental para a realização da proposta. Tivemos como parceria escolas como: CAL , UniverCidade, Martins Penna, Angel Vianna e Tijuca Tênis Clube . As escolas abriram as portas e permitiram encontros e ensaios nas propias instituições, o que foi fundamental para a realização da proposta.
LEILA HIPÓLITO: Foram vários grupos e indivíduos, e consequentemente muitos processos diferentes. Em alguns casos, haviam conversas com a direção dos grupos para se definir o conteúdo e contexto de atuação do grupo. Em outros, havia uma orientação mais específica para cada personagem. Também foi passado um texto geral sobre temas da história do período e de Ipanema, com algumas referências, e sugestão de estudo para diálogos. Todos se envolveram muito e pesquisaram bastantes. Foi um trabalho bem minucioso e coletivo, para que cada artista que estivesse em cena vivenciasse aquela experiência o mais plenamente possível.
TEMPO: Qual foi o resultado obtido?
LEILA HIPÓLITO: O resultado foi incrível! O público se envolveu completamente no clima. A produção viabilizou uma estrutura muito bem montada para que a sensação da época fosse passada e fez com que o rico figurino do período construísse as personagens necessárias. Os atores foram magníficos, totalmente comprometidos com seus personagens. Isto propiciou ao público um deslocamento no tempo, e intensificou a experiência.
FELIPE ARGOLLO: Infelizmente o mau tempo que se instalou no dia do evento prejudicou o roteiro que seria seguido. Mas ao mesmo tempo que não aconteceu da maneira prevista, os participantes, 80 pessoas, se comprometeram com a proposta e se entregaram com toda a força para a realização. A proposta final seria apenas um teaser realizado dentro das instalações do OI Ipanema. Mas a vontade e o espírito dos anos 70 fizeram os 80 participantes invadirem a praça General Osório, com toda a força, garra, paz e amor e ocuparam o chafariz de forma mágica e contagiante que só os anos 70 pode ter. No final das contas, mesmo com os imprevistos, o séc XX foi muito bem representado e a proposta do tempo na praça foi atingida. Contagiamos as pessoas que estavam em volta e mobilizamos profissionais em formação realizando uma grande intervenção na praça.
TEMPO: Qual a participação das escolas e como se pode relacionar a experiência dos jovens atores de hoje com a performance criada a partir da juventude do século XXI (mais especificamente dos anos 60)?
FELIPE ARGOLLO: Na minha opinião, como artista realizador, a participação dos alunos em formação das escolas artísticas da cidade serve para mostrar que o movimento da arte de rua é valido é pode ser realizado. A movimentação de um grupo de oitenta estudantes, de escolas diferentes, juntos em um mesmo projeto, só me faz acreditar que que arte só se faz em coletivo.
Pelo que pesquisei, e pelas referências do teatro da época, o coletivo era a maior arma dos artistas da quela geração. Isso foi esquecido por nos no séc XX com o pensamento cada vez mais individual e intimista. Temos que movimentar a cidade e proporcionar arte contestadora e atual!! A liberdade de expressão e a movimentação politica da geração de 70 devem ser exemplo de luta e de movimentação artística para a nossa geração.