Em uma realidade excessiva de objetos e consumos, uma parte importante da vida permanece esquecida ou até mesmo abandonada. No consequente isolamento do indivíduo, o outro deixa de existir e a solidão passa a ser falsamente comum. Então é preciso provocar mecanismos para reencontrar o outro, experiências de convívio e aproximações afetivas, como meio de recuperar a própria dimensão humana. Raquel André escolheu sua maneira de provocar. Utilizando-se de apartamentos que não conhece, marca encontros com pessoas também desconhecidas, e constrói, durante o encontro, intimidades próprias de quem há muito convive. Com as mais de 70 pessoas com quem já se encontrou, em diferentes cidades, criou para si uma coleção particular de intimidades ficcionadas.
Para dar conta de expandir também a outras pessoas sua coleção, as fotografias levam os amantes, como os denomina, a serem protagonistas do espetáculo, onde a catalogação traduz pessoas em objetos raros. Ao se perguntar o que se procura, quando se encontra alguém, a artista joga com a expectativa sobre a presença e função do outro.
A questão talvez seja compreendermos o quanto a presença não exige funções. No entanto, o teatro, elemento próprio de convívio e encontro entre as pessoas, parece ser o elo fundamental para nos provar o quanto a presença é suficiente. Afinal, sem o outro não há espetáculo. E, quando o público é também parte da própria obra, pouco importa qual lado de fato está no palco e na vida.
O espetáculo é uma coprodução do TEMPO_FESTIVAL com o Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa. Raquel André realizou encontros em cidades como Rio de Janeiro, Lisboa e Ponta Delgada.