Uma das atrações do TEMPO_FESTIVAL 2016, o espetáculo da Wunderbaum – Looking for Paul – presta uma grotesca homenagem ao artista californiano Paul McCarthy. Pelo tom da frase anterior, pode-se supor uma crítica ao projeto que a companhia holandesa (que já esteve no TEMPO_FESTIVAL em 2012 com o espetáculo Songs at the end of the World) traz para os trópicos. Felizmente, não.
A “grotesca homenagem” que o grupo faz a McCarthy é, na realidade, um mergulho na poética do artista contemporâneo, conhecido mundialmente por seus vídeos e instalações que usam e abusam dos mitos de nossa sociedade de consumo. De fato, pode-se dizer que Paul McCarthy produz uma espécie excêntrica de Pop Art. Um dos exemplos mais notórios é o seu vídeo Sauce (1974), onde se vê o artista nu sobre uma mesa, besuntando todo o seu corpo com uma garrafa de Ketchup, aludindo o feito à Action Painting dos Expressionistas Abstratos. Em Experimental Dancer (1975), McCarthy, portando uma máscara e escondendo o próprio pênis entre as pernas, dança estranhamente com os joelhos flexionados enquanto as suas mãos percorrem o seu corpo e o artista emite grunhidos sonoros. Ou ainda, em um trabalho recente, McCarthy põe a figura de Bush para copular com porcos (veja o vídeo abaixo). Toda a sua obra está permeada de teatralidade, a partir uma investigação a respeito dos limites (grotescos) do corpo. Quanto a utilização de alimentos com símbolos corporais, McCarthy comentaria: “É óbvio. O ketchup era sangue. Era ketchup… Mas poderia ser sangue. A maionese era maionese… Mas poderia ser esperma. A mostarda poderia ser merda. O chocolate também poderia ser merda…” Estes são apenas exemplos de uma longa jornada artística que, ao flertar com o mau gosto e o ridículo, invariavelmente irá colocar o espectador em maus lençóis.
O choque diante da obra de Paul McCarthy é o ponto de partida para o espetáculo da Wunderbaum. Uma moradora de Rotterdam, Inez van Dam, está absolutamente descontente com a escultura pública implantada na praça onde ela vive e trabalha. A enorme escultura de bronze representa um típico Papai Noel, tendo na mão esquerda um sino e, na mão direita, uma espécie de árvore de natal. O problema ocorre quando se nota que este enorme pinheiro não se assemelha tanto com uma árvore, mas com um desses brinquedos eróticos vendidos aos montes em Sex Shops. Nada mais provável, considerando o autor da escultura: Paul McCarthy. Dada a alusão do objeto, a escultura no centro de Rotterdam foi carinhosamente apelidada de… O Gnomo com um Plug Anal. Trata-se, para Inez, de uma provocação, de uma afronta. Como contribuinte, ela pagou por esta arte pública. Que espécie de estátua pública seria aquela, com óbvias conotações sexuais?
A partir desta insatisfação de uma cidadã holandesa “real”, a companhia Wunderbaum iniciou a sua procura ao artista. O mais interessante, nesta nova empreitada do grupo, não é a sua defesa do bom-mocismo. Pelo contrário. A partir de um conflito que, aparentemente, nada se relacionaria com uma discussão política, o espetáculo lança uma necessária luz aos desafios das intervenções artísticas urbanas, bem como à onipresença de uma cultura de celebridade. Que esta discussão mereça uma vez, cabe apenas mencionar a retirada de importantes esculturas urbanas da paisagem carioca (a “Estrela do Mar” de Tomie Ohtake e a “Escultura para o Rio” de Waltércio Caldas são exemplos recentes) em detrimento da presença cada vez maior de uma visualidade dócil, conforme pontua Sérgio Martins, com a implantação de estátuas de artistas brasileiros, como Caymmi e Drummond. Definitivamente, precisamos encontrar o Paul.